Os dias confusos que estamos vivendo alteram a percepção de nossos sentimentos, nossas crenças e nossos valores. O ideal seria que os nossos governantes, as nossas lideranças, as empresas e organizações – enfim, o corpo orgânico de pensamento de nossa Nação – fornecessem as diretrizes básicas para vencermos a crise com inteligência, perseverança e equilíbrio, mesmo sabendo do quadro de incertezas.

Mesmo com discordância de opinião e maneiras específicas de ver o mundo, o processo político e econômico deve seguir em convergência (e harmonia) para garantir a saúde e a segurança das pessoas, a base emocional das famílias e a sanidade de nossa democracia.

Não é tarefa fácil. A velocidade do fluxo de informação fortalece a insegurança – principalmente através das Fake News – gerando um quadro de confusão que atinge frontalmente o núcleo do poder, colocando-os em conflito permanente, num emaranhado de interesses que nos desvia do caminho principal, fazendo-nos tangenciar por vias erráticas, protelando a solução final do problema.

Sabemos que o Covid-19 é um problema da ciência. Mas são as instituições democráticas que estabelecem a modelagem para que se possa trabalhar eficazmente para se criar a cura da doença. Não importa a contabilidade dos mortos nem dos enfermos. O importante é salvar o máximo de vidas. Estamos combatendo um inimigo invisível que poderá ao longo dos anos – se não chegarmos a uma vacina eficaz e confiável – abalar o processo civilizatório.

Essa é a questão. Esse é o fulcro do debate. Por isso, nesse momento, aproveitar-se da fragilidade dos poderes – que sabemos defeituosos pela sua própria natureza humana – e colocar em dúvida a constituição e a democracia é um desserviço ao País. O que vimos na semana passada, em Brasília, foi um verdadeiro solavanco do Estado Democrático de Direito, com inconsequentes manifestações pedindo intervenção militar e volta do AI 5.

Como esse acontecimento vai reverberar ao longo do tempo, ainda é uma questão em aberto que poderemos avaliar nos próximos meses. Por isso, reagir aos arreganhos autoritários é tão importante. Sem um contraponto, as vontades ditatoriais avançam.

Apostar na política da instabilidade permanente, criando factóides, teorias conspiratórias, pedidos inconsistentes de impeachment, ressuscitando o panfleto do “Fora-fulano”, esgarçando o tecido social de maneira perigosa – pra não dizer inconseqüente -, certamente a
democracia será apenas retórica de demagogos e não terá força para barrar aqueles grupos minoritários que, por fanatismo, acreditam que o Brasil só se arruma com medidas de força.

A Ordem dos Advogados do Brasil acredita que as instituições estão fortalecidas suficientemente para barrar aventuras que apostam no ressurgimento de um regime de exceção. Sabemos que o isolamento social imposto pela Covid-19 impede que tal fato seja vocalizado nas ruas. Mas os apegos à liberdade e aos legítimos sentimentos democráticos estão mais fortes do que nunca.

As redes sociais nunca estiveram tão ativas como nestes tempos de isolamento social. A percepção de erros e acertos está cada vez mais aguçada por parte da sociedade. Está ficando claro para muitos que ações deletérias com recursos públicos não passam ao largo do conhecimento geral.

Queremos os Poderes da República funcionando em convergência (e interdependentes) para atender os anseios da nação. Só assim sairemos dessa crise mais fortes e prontos para a retomada da economia. Reconhecemos que se trata de tarefa complexa que exigirá paciência e bom senso. Mas não é hora de brincar com assuntos que já causaram muita dor ao País, como a volta do regime militar muito menos a edição de atos discricionários, atos estes, que atentam contra o regime democrático.
(*) Mansour Elias Karmouche é Presidente da OAB/MS