Sem regulamentação, trabalhadoras do sexo se arriscam na pandemia

| MSN


Antes de o novo coronavírus chegar ao Brasil e de máscaras e álcool em gel virarem itens essenciais, a garota de programa Renata*, 21 anos, fazia planos românticos com um cliente especial, um funcionário público na casa dos 40. Em agosto, eles iriam para Cancún, no México. Ele a levaria para conhecer as águas quentes do mar do Caribe. Aí veio a pandemia. Além de não viajar, a morena falante e simpática, que chegou a ganhar mil reais por dia, se viu sem trabalho. A ajuda para cuidar do filho pequeno e da família veio justamente do tal cliente. “Ele pagava quase todas as minhas contas”, diz Renata, que há três anos atua em casas de massagem e boates no Rio de Janeiro. A proposta partiu dela: passaria a quarentena na casa dele por 3,5 mil reais por mês. “Há mais de um ano, eu o encontrava umas duas vezes por semana. Ele era como um sugar daddy; me levava para sair, jantar. Nem sempre terminávamos na cama.” Ela não nega ter se apaixonado pelo homem. O filho, de 1 ano e 7 meses, foi junto com ela.

A convivência intensa, no entanto, acabou desgastando a relação. “As pessoas têm uma ideia equivocada do tipo de homem que procura garotas de programa. Ele é um cara supernormal, foi muito legal com meu filho. Mas brigamos bastante. Tinha toda a tensão da pandemia.” Ela saiu da casa do ex-cliente no fim de junho. Há algumas semanas, com a reabertura da cidade, retornou aos antigos locais de trabalho. No dia em que conversamos para esta reportagem, Renata estava exausta depois de cinco programas. “Pedi para eles me liberarem porque minha pussy precisava descansar”, diz.

Assim como Renata, trabalhadoras do sexo de todo o Brasil tiveram a rotina e a renda atropeladas pela pandemia. A jovem teve a sorte. Muitas outras vêm enfrentando uma situação bem mais drástica. Afinal, como cumprir o necessário isolamento social quando o corpo é a ferramenta de trabalho e o contato físico se mostra essencial para a prática? Fora isso, como a profissão não é regulamentada no Brasil, a pandemia escancarou o que já se sabia: essas profissionais estão entregues à própria sorte e, diante de um Estado omisso para uma realidade absolutamente palpável como é a prostituição no país, precisam se virar.

A capixaba Juh Ink, 28 anos, tem mais de 23 mil seguidores no Twitter e cobra 400 reais por programa. Não há desconto nem pechincha. Formada em economia e estudante de psicologia, ela chegou ao Rio em 2015. Com jeito despachado, começou a trabalhar também como atriz pornô. Recentemente, colocou na ponta do lápis os gastos com a manutenção de seu apartamento alugado e com os anúncios em sites e viu que não poderia parar durante a pandemia. “Muitas meninas falaram que eu não tinha respeito e amor ao próximo, mas eu precisava pagar as contas. Mesmo atendendo, passei três semanas sem fazer sexo. Foi ruim porque, além de sentir no bolso, fiquei muito sozinha. Meus clientes são meus melhores amigos, eu sou carente”, diz ela, que admite ter bebido bastante na época.

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Juh apelou para a venda de conteúdo online e atuou como cam girl (garotas que fazem performances sensuais virtuais) e em salas privês. O preço de seus vídeos variam de 60 reais a 200 reais. Lentamente, seu fluxo de trabalho, que antes era de até quatro ou cinco clientes por dia, está voltando ao normal. “Na última semana de julho, só não atendi ninguém em dois dias”, conta.

 

Outros costumes
Ter consciência sobre a gravidade da Covid-19 complicou a vida de Stephanie Amaral*, de 29 anos, estudante de biomedicina e profissional do sexo. Ela, que já chegou a ganhar 10 mil reais por mês, tem recebido apenas cerca de 1,5 mil. “Fiquei um mês em casa, mas tenho duas crianças, minha faculdade é cara e ainda ajudo a família. Tive que voltar. Comprei um termômetro e fazia os clientes tomarem banho antes do programa. Tentei atender sem beijar na boca, mas era estranho, porque meu jeito é muito carinhoso”, diz ela, que cobra 200 reais a hora (com acréscimo de 50 reais com sexo anal). A família não sabe do seu ofício.

Os ganhos de Stephanie, que faz faculdade de biomedicina, despencaram de 10 mil reais por mês para 1,5 mil© Lucas Landau/CLAUDIA Os ganhos de Stephanie, que faz faculdade de biomedicina, despencaram de 10 mil reais por mês para 1,5 mil
Em meio ao caos financeiro, Stephanie criou um sistema de voucher. “Ofereci desconto de 20% aos clientes que fizessem depósitos antecipados. Eles ficam com crédito e podem marcar o programa em qualquer data no próximo ano. Vendo também vídeos sensuais a 50 reais. Quem compra participa de um sorteio que dará direito a uma hora gratuita comigo”, explica, demonstrando forte veia empreendedora.

A transexual Thabata Rios, 32, está há 17 anos na prostituição, desde que saiu da casa dos pais, que não aceitavam sua identidade de gênero. Quando o surto da Covid-19 começou, estava realizando o sonho de viajar à Europa e ganhando 100 euros por programa. “Fiquei deslumbrada com o dinheiro, o lugar, o perfil dos clientes, muito mais cordiais e cavalheiros do que aqui no Brasil”, conta. Thabata pagava 500 euros por um apartamento na cidade de Braga, em Portugal, onde realizava seus atendimentos. Seus outros gastos incluíam anúncios em sites e jornais. “Em um dia bom, atendia sete clientes, mas em geral eram cinco. Quando um homem procura uma trans, é para ser penetrado; então tem que tomar Viagra para aguentar”, diz.



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