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‘A democratização da advocacia e as eleições para a diretoria do Conselho Federal da OAB’ - (*) Régis Santiago de Carvalho
| ASSESSORIA
Em linhas gerais podemos conceituar democracia como o regime político no qual os cidadãos têm o direito de participar, de maneira igualitária, das questões políticas de um país. Isso é feito por meio de eleições, referendos ou plebiscitos.
No campo das eleições político-partidárias, a expressão maior do exercício da soberania popular e, por consequência, da democracia, é exercida através do voto, vez que representa o exercício da soberania popular e do sufrágio. Literalmente, o vocábulo sufrágio significa aprovação, opinião favorável, apoio, concordância, aclamação. Denota, pois, a manifestação de vontade de um conjunto de pessoas para escolha de representantes políticos.
Deveras, a democracia é o sistema político que predomina na maioria dos países ocidentais e possibilita ao povo escolher livremente os seus representantes por meio do voto secreto (exercício do sufrágio). Trata-se, pois, de um regime que visa assegurar, na maior medida possível, a igual participação política dos integrantes de uma comunidade nos assuntos do Governo que a conduz.
O termo democracia tem origem na palavra grega “demokracia” (demo = povo e kracia = governo) e quer dizer governo do povo, traduzindo a ideia de participação popular na vida política do Estado. Essa expressão surgiu na Grécia Antiga, especificamente no período clássico, em 510 a.C., nas cidades-estados de Atenas.
Todavia, apesar de representar um marco histórico na evolução da sociedade moderna e no sistema político, naquela época cidadãos (quem podia votar e ser votado) eram apenas homens, de maioridade e atenienses, também filhos de pais atenienses. O poder político, portanto, estava concentrado nas mãos de castas, inexistindo uma ampla participação popular.
Somente a partir da Revolução Francesa (1789-1799) é que o conceito de democracia foi largamente alterado a ponto de se aproximar daquilo que hoje entendemos por democracia. Os revolucionários, inspirados pelos ideais iluministas, acreditavam que a possibilidade de participação popular massiva era o despertar para uma nova era contra o antigo regime que levaria a um grande avanço social, político, moral e científico.
No Brasil Império, a despeito de alguns afirmarem que já estávamos sob a égide de um estado democrático de direito, o Parlamento durante muito tempo sofreu intervenções do Poder Moderador imperial, que se sobrepunha ao Poder Legislativo. A passagem do Império para a República se deu por meio de um golpe, de modo que os primeiros anos republicanos do Brasil não foram, de forma alguma, democráticos.
Entre 1894 a 1930, o Brasil passa a conviver com eleições presidenciais com chapas formadas por oligarquias originadas em São Paulo e Minas Gerais, dando origem à chamada Política Café com Leite, comandada por grandes cafeicultores de São Paulo e grandes produtores de gado de Minas Gerais. Nessa época o voto popular era controlado pelos coronéis locais, por meio do chamado “voto de cabresto”.
Em 1930, o Brasil assiste a um novo golpe, a chamada Revolução de 1930, que levaria ao poder o gaúcho Getúlio Vargas, que manteve um regime ditatorial até 1945 quando, após novas eleições presidenciais, o Brasil vivencia a chamada República Nova.
Em 1964, mais uma vez a democracia brasileira, e com ela o regime democrático, é interrompida através da intervenção militar que perdurou até o ano de 1985, suspendendo a Constituição Federal, fechando o Congresso Nacional por alguns períodos e acabando colocando fim a eleição presidencial, que só viera a acontecer novamente em 1989, com a eleição de Fernando Collor de Melo, após o movimento denominado “Diretas Já!”, encampado pela OAB, ter tomado conta do país. Assim, entre os anos de 1985 e 1988 o país foi governado por José Sarney, eleito indiretamente pelo Congresso Nacional.
Em 1988, depois de promulgada a nova Constituição da República Federativa do Brasil, popularmente conhecida como Constituição de 1988, instituiu-se novamente, dentre outros direitos fundamentais, um sistema livre de eleições e liberdade de voto e expressão.
No âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil, instituída formalmente através do Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930 (art. 17), a eleição para a Diretoria do Conselho Federal da entidade está disciplinada no artigo 137 de seu Regulamento Geral, que visa regulamentar o disposto no artigo 67 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994.
Conforme esses dispositivos, a escolha da Diretoria do Conselho Federal ocorre em 31 de janeiro, às 19:00 horas, sendo a Sessão presidida pelo Conselheiro mais antigo. Considera-se eleita a chapa que obtiver a maioria simples dos votos do Conselho Federal. Deve-se observar ainda, que todos os membros da chapa devem ser Conselheiros Federais, exceto o Presidente, que deverá contar com o apoio de, no mínimo, 6 (seis) Conselhos Seccionais, pena de ser eliminado do pleito.
Vê-se, portanto, que a despeito de ter exercido um papel decisivo na redemocratização do país através de sua ativa participação no movimento das “Diretas Já!”, além de ostentar a condição de defensora da Constituição, da ordem jurídica do Estado democrático de direito, dos direitos humanos, da justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas (art. 44, I, da Lei nº 8.906/1994) a eleição para os cargos máximos da nonagenária entidade ainda segue o modelo ultrapassado das eleições indiretas, onde a escolha de seus dirigentes fica a cargo do Conselho Federal, composto por integrantes das delegações de cada Unidade Federativa, formadas por três conselheiros cada.
Com efeito, num universo aproximado de cerca de 1,1 milhão de advogados, 81 (oitenta e um) Conselheiros Federais exercem a vez e a voz de outros 1.099.919 advogados, o que, naturalmente, tem gerado inúmeras críticas por parte de boa parcela da classe. Pesquisa nacional realizada em 2018 pelo instituto Ibope apontou que 84% dos advogados brasileiros são favoráveis à eleição direta para o Conselho Federal da OAB.
No âmbito legislativo, existem diversos Projetos de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados visando modificar o sistema de escolha da Diretoria da OAB Nacional, destacando-se, dentre eles, o PL nº 804/07, de autoria do então Deputado Federal Lincoln Portela (PR/MG), o qual “Institui a eleição direta e o voto secreto para a Diretoria do Conselho Federal da OAB, com a participação de todos os advogados inscritos na Ordem”.
Atualmente encontram-se apensados ao referido PL um total de 15 (quinze) Projetos de Lei, cada um com uma peculiaridade, mas com um único objetivo: instituir a eleição direta e o voto secreto para a Diretoria do Conselho Federal da entidade, com a participação de todos os advogados inscritos na Ordem.
Da justificativa apresentada pelo PL originário, colhe-se as seguintes assertivas:
“Todos lembram quando a Ordem levantou, com bravura e dignidade, abandeira das “DIRETAS JÁ”, levando os principais advogados do país a subir nos palanques, participar de comícios e manifestações afins em defesa de eleições diretas para todos os cargos eletivos da nação, especialmente para Presidente da República.
(…)
A Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que instituiu o novo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, não permitiu (infelizmente!) ao causídico escolher diretamente o seu líder maior e os outros membros da Diretoria do Egrégio Conselho Federal da Ordem, da mesma forma não o fez a Lei n°11.179 de 22 de setembro de 2005, que alterou os arts.53 e 67 do Estatuto da OAB.
Anteriormente, na vigência da Lei nº 4.215, de 27.04.1963, igualmente não existia eleição direta para a Diretoria do Conselho Federal, sendo a mesma eleita por voto dos Conselheiros Federais de cada unidade federativa.
(…)
Fica, para o leigo, parecendo com aquele brocardo popular: “faça o que digo, mas não faça o que faço”, não havendo motivo lógico, num país que se proclama democrático, que impeça a realização de eleições diretas para Presidente Nacional da OAB, instituição respeitada e admirada por todos os brasileiros.
(…)
Não há a mínima plausibilidade na tese dos que defendem a manutenção do COLÉGIO ELEITORAL na OAB, já que a sociedade está cada dia mais exigente, necessitando ser a Diretoria do Conselho Federal da Ordem legitimidade pelo voto direto dos advogados brasileiros, com valor igual para todos.
O voto direto concederá ao Presidente Nacional da OAB a legitimidade necessária, lastreada fortemente no voto direto de todos os advogados da nação, para comandar a profissão da liberdade, podendo a Diretoria do Conselho Federal da Ordem, após ser eleita diretamente, aprofundar a luta pelo aprimoramento da democracia em todas as instituições do Brasil.
A sociedade brasileira, principalmente os advogados, não mais admitem eleições indiretas.
Os causídicos têm hoje repulsa aos Colégios Eleitorais e a procedimentos que arranham a legitimidade de Dirigentes de instituições nacionais, como o atual processo eleitoral para a escolha da Diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil.
Com certeza, os advogados, se consultados fossem, diriam, como fez toda a nação na década pretérita, que querem escolher diretamente seu líder maior – o Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, ficando aqui nosso protesto, em defesa daquela bandeira que certa feita a própria OAB levantou: Diretas Já!.”
Atenta aos anseios da classe e da sociedade como um todo, o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul, após leitura do parecer exarado pela “Comissão Temporária de Estudos Acerca das ‘Eleições Diretas no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil”, em Sessão Ordinária realizada em 13 de dezembro de 2019, deliberou, por unanimidade, pelo encaminhamento ao Conselho Federal de proposta de alteração do Estatuto para Eleições Diretas.
A proposta objeto do parecer da Comissão Especial basicamente sugere uma modificação do art. 1º da Lei nº 11.179, de 22 de setembro de 2005, que “altera os artigos 53 e 67 da Lei n. 8.906 de 4 de julho, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB”, possibilitando a instituição de eleições diretas para a Diretoria do Conselho Federal da OAB de modo a garantir a igual participação dos advogados que integram a entidade na escolha de seus representantes, afastando subdivisões incompatíveis com o espírito democrático, cuja definição traduz justamente a “ideia de igualdade”, ou seja, “a ideia de uma pessoa, um voto, é a ideia de que todos merecem igual respeito e consideração” (parte do voto proferido pelo Min. Luís Roberto Barroso na ADI nº 4.650/DF).
No mês da Advocacia, onde os operadores do direito em geral e a Advocacia em particular, comemoram os 193 (cento e noventa e três) anos de criação dos dois primeiros cursos jurídicos no Brasil, espera-se que essa gloriosa entidade, que teve um notório papel na redemocratização do país, afaste esse “incômodo paradoxo” e mostre para a sociedade brasileira que “Pau que bate em Chico, bate em Francisco”.
*Advogado, Conselheiro Estadual da OAB/MS, Presidente da “Comissão Temporária de Estudos Acerca das ‘Eleições Diretas no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil’, Pós-graduado em Direito Constitucional, Especialista em Processo Civil, Mestrando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Autônoma de Lisboa/PT e atual Presidente da Academia de Direito Processual de Mato Grosso do Sul –ADP/MS.

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