Futebol
Entre as muitas questões no ar, o caso de Goiás x São Paulo transmite a sensação de descaso e falta de proteção
| TRIVELA/LEANDRO STEIN
O Brasileirão precisou de uma rodada para que o primeiro entrave relacionado à situação sanitária ocorresse. A volta da competição num país que superou as 100 mil vítimas de COVID-19, por si, merece necessários questionamentos. Mas, colocando-se acima das ponderações, a CBF definiu o retorno e, assim, o mínimo esperado era um protocolo que preservasse a segurança das delegações. Ainda deverão acontecer investigações, mas são várias falhas aparentes na condução do Goiás x São Paulo neste domingo, que deveria ter sido realizado na Serrinha. Somente com os tricolores em campo é que se definiu o adiamento do jogo, após dez atletas esmeraldinos testarem positivo para o coronavírus. A contraprova confirmou, já depois do cancelamento do embate, nove positivos.
O imbróglio começou durante a quinta-feira, quando o Goiás realizou os primeiros exames. O laboratório do hospital Albert Einstein informou que os testes foram mal acondicionados. Na sexta-feira, os exames foram repetidos e o resultado deveria ter vindo no sábado. Apenas na manhã deste domingo é que os goianos foram informados de que, dos 26 jogadores testados, dez estavam infectados – sendo oito titulares. As suspeitas de adulteração persistiram. Assim, os esmeraldinos tentaram acelerar novos testes neste domingo, antes do jogo, para saber a real situação e liberar o máximo de atletas.
“Os exames feitos na última quinta-feira foram invalidados pela CBF. A alegação é de que as amostras foram acondicionadas de maneira inapropriada. A CBF então pediu uma nova coleta ao laboratório, e os exames foram realizados na sexta-feira”, escreveu o próprio clube, em nota oficial, esclarecendo a situação.
Nesta mesma nota, publicada durante o início da tarde deste domingo, o Goiás anunciou a intenção de adiar a partida. O clube justificava que os prazos não foram cumpridos e que os contaminados estavam concentrados, o que poderia aumentar o número de infecções. “O clube acredita que se for para seguir um protocolo de segurança de saúde e prevenção ao COVID-19, todos deveriam estar em isolamento e observação pelo contato recente com pessoas contaminadas. O clube lamenta a situação e já realizou, por conta própria, uma nova bateria de exames nos contaminados. Resta agora aguardar se o pedido de adiamento do jogo será acatado ou não pela CBF”, assinalaram.
Apesar do pedido do Goiás, a CBF não se posicionou de imediato. Os jogadores aptos de ambos os clubes se dirigiram ao estádio e prepararam-se para entrar em campo. Diante do silêncio da CBF, os esmeraldinos acionaram também o STJD, solicitando o adiamento. O clube analisava que, se os resultados positivos fossem mesmo verdadeiros, disputar a partida sem dez jogadores seria extremamente prejudicial. Apesar de tudo, os goianos se aqueceram em campo e divulgaram a escalação sem vários de seus principais nomes – incluindo Tadeu, Sandro e Rafael Moura.
Quando o São Paulo já estava em campo para o pontapé inicial, a minutos do horário marcado à partida, o Goiás não saiu dos vestiários. Com a resposta do STJD, os esmeraldinos informaram o delegado do jogo que não atuariam. Além disso, a CBF finalmente se posicionou favoravelmente pelo adiamento. Pouco depois, a arbitragem e os jogadores do São Paulo deixaram o campo, sem data marcada para que o encontro ocorra. Minutos depois, a CBF confirmou nove positivos através da contraprova.
Presidente do Goiás, Marcelo Almeida esclareceu o posicionamento à Rede Globo: “A gente preferiu agir com coerência, pedindo para que o jogo fosse adiado. Entramos com a liminar no STJD com essas alegações. Esportivamente seria uma coisa totalmente descabida. Infelizmente dessa forma eu acho que a melhor atitude foi o pedido dessa liminar, com o intuito de rever essa partida. Ia ser uma festa bonita, mas por questões de segurança e saúde era preferível adiar, já que os dez atletas estavam concentrados. Nós recebemos um comunicado, extra-oficial, que o jogo foi adiado”.
Já o São Paulo se pronunciaria depois do adiamento: “O São Paulo manifesta apoio e informa que está de acordo com a decisão do adiamento do jogo deste domingo, em Goiânia. Não há nada mais importante, neste momento, do que preservar a saúde e refletir à sociedade a importância dos cuidados”.
O caso de Goiás x São Paulo é o mais exposto, mas não o único. Neste domingo, a CBF também adiou a partida entre Treze e Imperatriz, que deveria acontecer em Campina Grande, pela Série C. Ao todo, 12 dos 19 jogadores do clube maranhense testaram positivo. Neste sábado, o Vila Nova soube de um caso de COVID-19 entre os jogadores concentrados, horas antes do jogo contra o Manaus. e mesmo assim entrou em campo no Amazonas pela terceira divisão. Já na Série B, o CSA soube de nove infectados no elenco um dia antes de enfrentar o Guarani em Maceió. Apesar dos desfalques, os azulinos derrotaram os bugrinos por 1 a 0.
Das interrogações que ficam no ar, uma clara é que o protocolo determinado pela CBF não é efetivo. São vários problemas que podem ser apontados, entre a falta de agilidade na divulgação dos resultados, a maneira como os demais jogadores ficaram expostos pelos companheiros infectados e a própria indefinição do que fazer diante dos casos positivos. E a sensação de proteção é mínima, quando clubes das três divisões tiveram entraves parecidos.
Outro ponto central é a maneira como os jogos foram conduzidos. Apesar da demora para definir o que parecia óbvio, o adiamento de Goiás x São Paulo foi o mais sensato. Aliás, não deveria nem ter sido discutida a possibilidade de seguir em frente com o jogo. Mas o mesmo não aconteceu a CSA e a Vila Nova, o que gera uma desigualdade no tratamento. E, num calendário extremamente congestionado, remarcar essas partidas está longe de ser uma tarefa simples. São mais viagens, mais desgaste, mais encaixes. Não há margem de manobra para deixar as pessoas em contato com os contaminados em quarentena.
O principal, de qualquer maneira, é a questão sanitária. Um protocolo mal feito não expõe apenas as delegações e os funcionários dos clubes. As viagens continuam acontecendo a diferentes partes do país, o que aumenta a possibilidade de contaminações. Isso sem contar uma pressão mental aos jogadores, entre os riscos corridos, a indefinição do que fazer e viagens feitas à toa. Certo é que uma situação como a deste domingo não deveria acontecer, e muito menos de maneira repetida. Mas, dentro da própria realidade sanitária no país, os jogadores seguem igualmente suscetíveis.
Existe um debate esportivo. É o de menos, quando se mostra que a saúde dos atletas e das demais pessoas ao redor não está protegida da maneira devida. A CBF precisa averiguar os erros, corrigir o protocolo o quanto antes e fazer o máximo para atenuar os riscos. Porém, diante da gestão da crise e de todas as questões ao redor, não é difícil imaginar que os dirigentes empurrarão tudo com a barriga. E o futebol se mostra como mais um retrato de descaso, em diferentes esferas, durante esta pandemia.

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