Demissão de Jesualdo é um ato covarde, além de um atestado de incompetência do Santos

| TRIVELA/FELIPE LOBO


Em dezembro, o Santos escolheu Jesualdo Ferreira para comandar o time. Um técnico com experiência, vivência e um estilo bem diferente do antecessor, Jorge Sampaoli. A aposta foi digna de elogio e ressaltamos isso por aqui. Nem deu tempo de verificar os possíveis pontos positivos e negativos. Sete meses depois do anúncio, com apenas 15 jogos disputados e uma pandemia no meio do caminho, o clube anunciou a sua demissão. Uma atitude covarde contra um profissional que ficou no Brasil, um dos piores lugares para se estar na pandemia da COVID-19, aos 74 anos, e em um clube que geriu pessimamente a crise, nos escritórios e no campo. Além de tudo, um atestado de incompetência: por mais que o técnico tivesse parte da responsabilidade pelo baixo rendimento, o que acontece no Santos tem muito menos a ver com o português e muito mais a ver com quem o demite.

Só dois jogos depois do retorno do futebol em meio à maior crise sanitária dos últimos 100 anos, o Peixe serve a cabeça do treinador em uma bandeja ao Comitê Gestor como justificativa para o desempenho ruim. Um clube que reduziu em até 70% os salários de todos seus funcionários, o que inclui a comissão técnica e os jogadores, com a justificativa da pandemia. Não entrou em acordo com os jogadores, como alguns clubes fizeram. Simplesmente anunciou a medida.

Vale aqui lembrar o que acontece no Santos atual de José Carlos Peres. Na segunda-feira, o presidente do Santos teve as contas de 2019 rejeitadas pela segunda vez pelo Conselho Deliberativo. Em junho, as contas já tinham sido rejeitadas pelos conselheiros. O Conselho Fiscal tinha sugerido a rejeição das contas depois dos argumentos apresentadas pelo presidente para os gastos. A rejeição foi massiva: 170 votos aprovaram o parecer do Conselho Fiscal, que rejeitava as contas; 3 reprovaram o parecer; 3 se abstiveram.

Isso significa que o ambiente em que Peres vive é de turbulência alta. O dirigente corre risco até de sofrer a expulsão do quadro associativo por gestão temerária. Há possibilidade também de abertura de processo de impeachment contra o presidente. O seu mandato vai até o fim de 2020 e é a segunda vez que as contas da sua gestão são reprovadas, como em 2018.

As contas de 2019 do clube foram confusas. Mesmo com o superávit de R$ 23,5 milhões, resultado da venda de Rodrygo ao Real Madrid por € 45 milhões (algo como R$ 215 milhões na cotação daquele momento). Há diversas suspeitas de irregularidades na venda de Bruno Henrique ao Flamengo, com pagamentos de comissões e agentes, além do uso de cartão corporativo para fins pessoais. Isso sem falar em casos como o do Huachipato cobrando pelo pagamento da contratação de Soteldo.

Peres está sob fogo alto. A pressão a que está submetido o torna politicamente fraco. Por isso, Peres precisa ceder às pressões para aliviar a temperatura. Demitir o técnico coloca o holofote sobre o trabalho do Jesualdo, que era questionado. Ajuda a tirar as luzes do péssimo trabalho de gestão de Peres. Um clube que gasta mais do que poderia, com contas reprovadas, com mais problemas do que poderia imaginar.

Em campo, o Santos teve problemas. O treinador não conseguiu ter todos seus jogadores à disposição, como Marinho, por exemplo, um dos principais do elenco. Nos três jogos depois da volta do futebol, ainda em meio à pandemia, o Santos teve jogadores expulsos, o que comprometeu o time: Carlos Sánchez, ainda no final do primeiro tempo, no empate por 1 a 1 com o Santo André; Fernando Uribe, no começo do segundo tempo, na derrota para o Novorizontino por 3 a 2; e a expulsão de Marinho no fim do primeiro tempo na derrota para a Ponte Preta por 3 a 1. Nada disso importou para os dirigentes do Santos. Jesualdo foi demitido mesmo assim.

Anunciado no dia 23 de dezembro, Jesualdo Ferreira comandou o Santos por 15 jogos, seis vitórias, quatro empates e cinco derrotas. Pouco, sem dúvida, para o time em um torneio como o estadual, que é o de mais baixo nível que o clube tem ao longo do ano. Mas muito menos ainda para avaliar o trabalho de um técnico, ainda mais com uma pandemia interrompendo os trabalhos por quatro meses. Cobrar resultados neste momento parece uma loucura. O Campeonato Brasileiro começa no fim de semana, mas o treinador português nem terá a chance de viver o principal torneio nacional como treinador.

É plenamente possível achar que o Santos não deveria ter contratado Jesualdo. Havia motivos para achar isso no momento que o técnico foi especulado, antes mesmo de ser contratado. O fato é que o clube contratou e ele tem experiência suficiente para lidar com as situações que apareceram e deveria ter recebido tempo para fazer o seu trabalho. Uma vez contratado, o que é preciso fazer é buscar dar as melhores condições possíveis para ele. Não foi o que o Santos fez. Muito pelo contrário, aliás. As condições para o trabalho do técnico passaram longe de serem boas.

A demissão de Jesualdo é um ato covarde contra um profissional que não teve tempo e condições para desenvolver o seu trabalho. Serve apenas como uma breve cortina de fumaça para aliviar a eloquente incompetência que a diretoria do Santos deixa transparecer. E que logo voltará a aparecer e causar prejuízos – financeiros e esportivos – ao clube da Vila Belmiro.



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