Subfinanciamento do SUS pressiona municípios

Pesquisa da Universidade Federal do Paraná já alertava para os efeitos da falta de recursos federais no SUS

| ASSESSORIA


Os repasses federais para a Saúde em tempos de pandemia evidenciaram ainda mais os problemas de subfinanciamento no setor e a necessidade do apoio da União. Se por um lado o Brasil foi revolucionário ao criar o Sistema Único de Saúde (SUS), espalhando por todo o país a garantia de atendimento médico à população, por outro, se viu em problemas para sustentar toda essa rede. O colapso provocado no sistema com a chegada do novo coronavírus já vinha sendo apontado há anos por organizações e especialistas, como um estudo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em parceria com Harvard, realizado em 2019.

O levantamento apontou que os gastos no SUS recuaram nos últimos 30 anos, afetando principalmente os municípios menores. Adriano Massuda, médico sanitarista, professor na UFPR e um dos responsáveis pela pesquisa, explica que foi feita uma análise do sistema, desde sua implantação, além de projeções para 2030 com base nos níveis de financiamento federal.

Segundo Adriano, na análise histórica, a implantação do SUS foi extremamente importante para expandir os serviços de saúde no país. “Muitos municípios que na década de 1990 não tinham nenhum tipo de unidade essencial passaram a ter e o financiamento federal foi importante para isso, bem como para a criação da atenção básica da família’, explica. “Isso ampliou a cobertura vacinal, de pré-natal, enfim, gerou um impacto bastante significativo na mortalidade infantil, por exemplo. O Brasil foi um dos países que conseguiu a maior taxa de redução da mortalidade infantil entre 1990 e 2015. E muito disso se deve a implantação do SUS.”

A análise para o futuro, no entanto, não é promissora. Apesar dos avanços, o sistema de saúde manteve fragilidades estruturais, entre eles o subfinanciamento público. O médico explica que a maior parte do gasto com saúde no Brasil é dirigido ao setor privado, que se destina a não mais que 25% da população brasileira. 

“A menor parte do gasto, em torno de 46%, se dirige ao gasto público e isso cobre toda a população, da vacina ao transplante”, destaca Adriano. “O Brasil tem nível de gastos comparável com outros países industrializados, 9% do PIB. O problema é como se dá esse gasto. O nível de gasto é muito desproporcional e explica esse subfinanciamento histórico público.”

Congelamento
Em resumo, a expansão que ocorreu desde a década de 1990 em todo o sistema de saúde que atende à população não foi sustentada por um aumento de aporte de recursos federais. E piorou em 2016 com a Emenda Constitucional nº 95, que instituiu um novo regime fiscal, determinando que as despesas primárias teriam como limite a despesa executada no ano anterior, corrigida apenas pela inflação. Na prática, a medida congelou as despesas primárias por duas décadas.

“Analisando os cenários futuros, o que a gente observa é que a simples manutenção do recurso, como estava em 2016, corrigido só pela inflação, não é suficiente para manter os serviços. A tendência é haver uma redução de cobertura da saúde da família, o que vai impactar na cobertura vacinal, de pré-natal, afetando, principalmente, os municípios mais pobres, os que são mais dependentes de receita federal”, ressalta Adriano.

De 2016 para cá o orçamento para a Saúde tem diminuído cada vez mais. Segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS), somente em 2019, a perda de investimentos na área representou R$ 20 bilhões. Em 2017, quando a emenda passou a vigorar, os investimentos em serviços públicos de Saúde representavam 15,77% da arrecadação da União. Já no ano passado, os recursos destinados à área representaram 13,54%. 

Se o governo aplicasse o mesmo patamar que aplicou em 2017 (15% da receita corrente líquida de cada ano), a Saúde teria um orçamento de cerca de R$ 143 bilhões, e não os R$ 122,6 bilhões aplicados. A expectativa de perdas com o congelamento de 20 anos no setor, segundo a CNS, pode ultrapassar os R$ 400 bilhões.

 

Sobrou para os municípios
Eduardo Stranz, consultor da Confederação Nacional de Municípios (CNM), explica que o sistema de financiamento da saúde pública é tripartite, ou seja, tem de ter recursos das três esferas do governo. A Emenda Constitucional nº 29, aprovada no final do ano 2000, definiu que União corrigiria anualmente o orçamento federal destinado à saúde pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB), os municípios deveriam reservar 15% da arrecadação para esse fim e os estados, pelo menos, 12% das suas receitas líquidas. A EC 95, no entanto, fez com que a União pagasse apenas o orçamento do ano anterior acrescido da inflação, o que gerou o grave subfinanciamento de todo o sistema.

“Há menos recursos por parte da União no sistema, menos recursos dos estados, que estão todos quebrados, e os municípios que deveriam gastar 15%, gastam em média 22%. Tem município que gasta 30% ou 35% de suas receitas em saúde. Quem deveria financiar grande parte, que é a União, fica só coordenando e colocando cada vez menos dinheiro. E com a pandemia isso ficou ainda mais evidente”, ressalta.

 

Tulio Carneiro, Secretário de Saúde de Conceição do Coité, na Bahia, lembra que além da emenda constitucional que congelou o repasse por parte da União se soma a outros problemas nos municípios, como a tabela SUS, que não sofre reajuste há bastante tempo.

“Há anos não temos reajuste da Tabela SUS, no entanto, salários, materiais, tudo tem aumentado de preço constantemente. Nesse momento da pandemia está mais grave ainda por conta da escassez de EPIs”, relata o secretário. “Os problemas são vários. Por exemplo, aqui nós temos 15 equipes de Saúde da Família. Para o custeio de uma equipe se transfere, em média, R$ 13 mil. Apenas isso para pagar médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, material, pessoal de limpeza, medicamentos. Não é sustentável. O valor que recebemos é ínfimo frente ao valor que temos de completar. As maiores despesas ficam sempre com o município, que no nosso caso, reserva, pelo menos, 18% do orçamento para Saúde.”

A pesquisa feita pela Universidade Federal do Paraná ligou o alerta no ano passado. E isso sem contar com a pandemia que viria. O estudo fez um conjunto de recomendações para que a situação não fique ainda mais grave. Entre elas estavam o fortalecimento do SUS como condição fundamental para a melhoria da saúde como um todo no país; maior aporte de recursos para a atenção básica; uma melhor integração entre os serviços, desde a atenção básica até o serviço hospitalar; e a definição de um padrão tecnológico definido nas ofertas de serviços do SUS. E agora que a pandemia desnudou ainda mais os problemas do subfinanciamento, o montante de recursos federais também precisará ser revisto.

 

Fonte: Brasil 61



PUBLICIDADE
PUBLICIDADE