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Brasil sob escritínio: O Genocídio Indígena em Foco - Wilson Matos
| DO AUTOR
Como jurista, no meu modesto entendimento, filio-me à compreensão de que o que ocorre no Brasil não pode ser classificado como mera negligência estatal. A omissão sistemática diante da destruição de vidas indígenas, da devastação dos nossos territórios e da erosão de nossas culturas milenares configura, sim, uma forma contemporânea de genocídio, como já sustentado por especialistas, estudiosos do Direito Internacional e, sobretudo, pelas próprias lideranças indígenas.
O Brasil está no banco dos réus internacionais, acusado de práticas que ecoam um passado colonial sombrio: a violação sistemática dos direitos dos povos indígenas. Não se trata apenas de uma questão política ou administrativa doméstica, mas de uma responsabilidade que ultrapassa fronteiras, alcançando o sistema interamericano de direitos humanos e até a Corte Penal Internacional (CPI). Me filio ao entendimento dos Especialistas e lideranças indígenas apontam que o que ocorre no país não é apenas negligência — é uma forma contemporânea de genocídio.
Nos últimos anos, decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) expuseram a omissão do Estado brasileiro diante de um cenário de violência estrutural, espoliação territorial e exclusão deliberada. Casos como Povo Xukuru vs. Brasil (2018) e Povo Indígena Yanomami vs. Brasil (2024) são marcos que condenam o país por falhar em proteger os direitos à terra, à vida digna e à identidade cultural dos povos originários. Em paralelo, denúncias enviadas à CPI sugerem que tais atos podem configurar crimes contra a humanidade e até genocídio, conforme o Estatuto de Roma, assinado pelo Brasil em 2002.
A Corte IDH tem sido uma voz firme na defesa dos povos indígenas na América Latina. Em decisões históricas como Yakye Axa vs. Paraguai (2005) e Saramaka vs. Suriname (2007), o tribunal estabeleceu que o direito à terra não é apenas uma questão de posse, mas de sobrevivência cultural e espiritual.
No caso brasileiro, a condenação no julgamento dos Xukuru, em Pernambuco, revelou a lentidão do Estado em demarcar terras e a conivência com a violência contra lideranças. Já o caso Yanomami, julgado recentemente, escancarou a crise humanitária na Amazônia: garimpo ilegal, rios envenenados por mercúrio e mortes por doenças evitáveis, tudo sob o olhar negligente do poder público.
Essas decisões não são meras advertências. Elas reforçam que o Brasil viola a Convenção Americana de Direitos Humanos ao permitir — e, em alguns casos, incentivar — a destruição das condições de vida dos indígenas. “A omissão do Estado é estrutural, não acidental”, destaca um trecho da sentença sobre os Yanomami, apontando para um padrão de indiferença institucional.
Enquanto a Corte IDH foca na responsabilidade estatal, o Estatuto de Roma abre outra frente: a possibilidade de julgar indivíduos por crimes graves. O artigo 6º define genocídio como atos intencionais para destruir, no todo ou em parte, um grupo étnico — incluindo submetê-lo a condições que levem à sua destruição física. Organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Indigenous Peoples Rights International (IPRI) argumentam que o Brasil se encaixa nesse perfil.
A negativa de acesso à saúde, a tolerância com invasões de garimpeiros e o desmonte de políticas indigenistas, como o enfraquecimento da FUNAI, são citados como provas. O relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014) já documentava práticas semelhantes durante a ditadura militar, como remoções forçadas e negligência letal. Hoje, a situação não parece muito diferente. “O Estado cria condições incompatíveis com a vida indígena”, afirma um dossiê da IPRI enviado à CPI, que analisa denúncias da pandemia de Covid-19, quando comunidades foram abandonadas à própria sorte.
Além do genocídio, o artigo 7º do Estatuto de Roma tipifica crimes contra a humanidade, como perseguição étnica e extermínio. A construção de obras como a Usina de Belo Monte, sem consulta prévia aos povos afetados, e a perseguição de lideranças, como no caso Xukuru, entram nesse rol. Autoridades públicas, de ministros a governadores, poderiam ser responsabilizadas individualmente, caso a CPI avance nas investigações.
Diante da inércia do Estado, os povos indígenas brasileiros estão levando sua luta para além das fronteiras. Sessões do Tribunal Permanente dos Povos (TPP), como a de 2022, também julgaram simbolicamente o Brasil por etnocídio, amplificando a pressão internacional.
Essa mobilização marca uma nova era: a justiça transnacional indígena. Entidades como a nossa ODIN (Observatório Nacional de Defesa dos Povos Indígenas), APIB (Articulação dos Povos Indígenas no Brasil), COIAB Coordenação das Organizações da Amazonia Brasileira dentre outras Lutam diuturnamente para os nossos Povos sejam mais objetos de tutela, mas sejam de fato, sujeitos de direito. Essa estratégia combina resistência territorial com o uso de instrumentos jurídicos globais, reinterpretados sob a ótica das cosmovisões dos nossos povos. A terra, para nós, não é apenas propriedade da União, mas sim, um território originário que confunde com a nossa própria vida.
O genocídio indígena no Brasil não é um eco do passado, mas uma realidade presente, sustentada por políticas públicas que negam direitos básicos. O Marco Temporal, que limita a demarcação de terras, e a criminalização de lideranças são exemplos de como o Estado legitima a usurpação. Para especialistas, essas práticas violam normas fundamentais do direito internacional, como a Convenção contra o Genocídio de 1948.
A denúncia internacional não é apenas um pedido de socorro — é uma reafirmação de existência. Os povos indígenas lutam por reparação histórica, pelo direito à memória e à dignidade. Enquanto o Brasil ignora suas obrigações, a justiça transnacional emerge como um caminho para romper o ciclo de extermínio. Resta saber se o país enfrentará as consequências ou continuará a fechar os olhos para um crime que o mundo já começou a julgar.
*Wilson Matos da Silva – É Indígena, Advogado Criminalista OABMS 10.689, especialista em Direito Constitucional, é Jornalista DRT 773MS. residente na Aldeia Jaguapiru – Dourados MS. [email protected]
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