Testes rápidos de farmácia para coronavírus aprovados pela Anvisa confundem e colocam população em risco

Exames têm alta porcentagem de falso negativo e não servem para orientar ações de saúde pública

| FOLHA/SABINE RIGHETTI


A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou nesta terça (28) uma proposta que autoriza a aplicação de testes rápidos em farmácias e drogarias para detectar infecção pelo novo coronavírus. O problema é que esses estabelecimentos não estão capacitadas para realizar esses exames. E, pior: esses testes podem ter alta porcentagem de falso negativo, o que coloca toda a população em risco.

Os exames sorológicos para o novo coronavírus com resultado instantâneo já estavam sendo vendidos mesmo sem regulamentação em farmácias no Rio, Paraná, Minas Gerais e Ceará por valores que chegam a R$ 500. Justamente por isso, a Anvisa se posicionou —equivocadamente.

Em primeiro lugar, um farmacêutico ou técnico de laboratório que aplica testes para o novo coronavírus precisaria estar treinado para informar o resultado ao paciente e às secretarias de saúde. Vender teste para uma infecção grave é muito diferente de detecção de gravidez ou de teor de glicose no sangue.

Indo além, o profissional que testa um possível paciente acometido por Covid-19 precisa fazer uso obrigatório de EPI (Equipamento de Proteção Individual), que está em falta para profissionais de saúde no Brasil todo.

E mais: um teste com resultado equivocado pode se transformar em um passaporte para o fim da quarentena de uma pessoa que pode estar infectada, além de embasar políticas públicas sem sustentação.

Hoje, o teste mais preciso para Covid-19 é o molecular (ou PCR em tempo real), que detecta o material genético do vírus. Isso quer dizer que ele já é positivo desde o momento em que a pessoa é infectada (mesmo que assintomática).

Foi com este teste que a Coreia do Sul e a Alemanha conseguiram acompanhar a taxa de transmissão do vírus. Esse teste é caro e está em falta no Brasil —a prioridade é para pessoas com sintomas e profissionais de saúde. Em São Paulo e no Paraná, no entanto, laboratórios privados têm oferecido teste pago de PCR com coleta em casa.

Há também os testes de anticorpos, colhidos no sangue, que servem para saber quem já foi infectado. Medem dois tipos de anticorpos que produzimos depois de aproximadamente dez dias da infecção: o IgM (que aparece primeiro, podendo até ser detectável enquanto a pessoa ainda está infectada) e o IgG (que aparece depois, com o paciente recuperado).

Aqui, há duas possibilidades: o teste Elisa, que precisa ser feito em laboratório e quantifica os anticorpos no sangue, e o chamado teste rápido, que é um kit com reagentes —e que dá um resultado simples de 'sim' ou 'não' (sem especificar a quantidade dos anticorpos). Esse teste em farmácia foi aprovado pela Anvisa —e não é recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Testes rápidos sorológicos são pouco sensíveis e chegam a ter 80% de falso negativo —e o falso positivo também é preocupante. Se der negativo, não dá para saber se o teste falhou ou se a pessoa realmente nunca teve contato com o vírus. Pode ser que esteja contaminada, mas que ainda não tenha começado a produzir anticorpos em número suficiente para detecção. E se for positivo, o indivíduo pode se sentir seguro achando que tem anticorpos —quando pode não ter.

O Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro (CRF-RJ) já havia informado que alguns dos exames sorológicos não foram validados em ensaios clínicos, o que reforça a incerteza dos resultados. E as mesmas empresas que vendem malotes de testes rápidos para Covid-19 para farmácias também comercializam os produtos para clínicas privadas, clubes e condomínios.

Recentemente, por exemplo, foi feito um mutirão para testes rápidos de anticorpos em Brasília, usando o esquema drive-thru em estacionamentos de shoppings. Houve relatos de alívio diante de um resultado negativo (quando naquele exato momento poderiam estar contaminadas e transmitindo o vírus).

Testes particulares para Covid-19 são inúteis. Para saúde pública, não geram dados epidemiológicos confiáveis. Para informação individual, confundem e desorientam. A aprovação desses testes em farmácias e drogarias pela Anvisa só vai gerar desinformação.

Sabine Righetti é pesquisadora do Labjor-Unicamp e coordenadora da Agência Bori

Flavio Emery é professor da FCFRP-USP e presidente da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas

Natália Pasternak é pesquisadora do ICB-USP, presidente do Instituto Questão de Ciencia e autora de 'Ciência no Cotidiano' (Ed. Contexto)



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