Futebol
O estádio de 30 mil lugares que está esquecido em SP e você talvez nunca tenha ouvido falar
Localizado na Universidade de São Paulo (USP), arena já recebeu craques como Paolo Rossi, sediou final da Copinha, mas hoje está com a parte superior de sua arquibancada interditada
| GLOBOESPORTE.COM / HENRIQUE TOTH
Quem passa pela Marginal Pinheiros, na altura da Ponte Cidade Universitária, na zona oeste de São Paulo, não consegue ver, mas atrás da fila de árvores que cerca a Universidade de São Paulo (USP) existe um estádio com capacidade para cerca de 30 mil pessoas.
De formato diferente do tradicional, o Estádio Armando de Salles Oliveira, ou o Estádio Olímpico da USP, como é conhecido, já foi palco de final da Copinha e viu craques como Paolo Rossi, campeão Mundial e carrasco do Brasil na Copa de 1982, desfilarem em seu campo.
Hoje, o estádio, que já foi o terceiro maior da cidade e está com sua arquibancada superior interditada, sobrevive sediando eventos universitários ou de menor porte, como jogos de rugby. No dia 19 de agosto, por exemplo, o estádio recebe a inédita final da Copa do Brasil de Rugby, entre Poli (SP) e Niterói (RJ).
O estádio fica localizado no Centro de Práticas Esportivas da USP. O Cepeusp, criado em 1971, é uma praça poliesportiva, com mais de 514 mil metros quadrados, que atende a comunidade universitária e demandas externas.
O seu formato em "U" foi pensado pelo arquiteto Ícaro de Castro Mello, responsável por essa e outras obras importantes no estado de São Paulo, como o Ginásio Ibirapuera, e faz uma ligação com a primeira letra de Universidade.
– Além de ser um estádio com capacidade para 30 mil pessoas, destinado a provas de atletismo e ao futebol, foi proposto em formato de U. Como os antigos anfiteatros gregos e romanos, apropriado para receber desfiles cívicos, internos e externos à Universidade e aos espetáculos artísticos e culturais – explicou Eduardo Castro Mello, arquiteto e filho de Ícaro.
Hoje, a arborização feita no entorno da USP esconde o estádio de quem passa pelas vias expressas ao lado. Ao mesmo tempo, a natureza ao seu redor deixa o local mais charmoso.
O contraste das belezas da natureza, da arquitetura do estádio, com o desgaste do próprio é gritante. A parte externa das arquibancadas, carcaça desse gigante no meio de São Paulo, não são preservadas.
– A arquibancada tem quarenta anos praticamente. E uma coisa que aprendi é que se você não usa, deteriora. Tem que estar sendo usado – comentou o professor Emílio Antonio Miranda, diretor do Cepeusp
Apenas a parte interna é preservada e reformada pela Universidade, que usa para alojamentos, vestiários, auditórios e salas de aula. A parte de fora é outra história.
Do concreto desgastado aos corrimões enferrujados, veja abaixo a estrutura do Estádio Armando Salles de Oliveira.
Auge nos anos 80
O projeto original do Cepeusp foi alavancado pelos Jogos Pan-Americanos de 1975, que seria sediado em São Paulo. O evento, porém, não aconteceu por conta de uma epidemia de meningite.
Mesmo sem o Pan, o Estádio da USP viveu seu auge na década de 80. Em 1988, por exemplo, sediou a abertura e a final da Copa São Paulo de Futebol Júnior, conquistada pelo Nacional naquele ano.
Surpresa em campus! Uma grande revelação da Taça São Paulo: o ótimo estádio da USP, com capacidade para 32.000 pessoas e que poucos conheciam – manchete da Revista Placar de janeiro de 1988.
Na época, a reportagem comparava a capacidade do Estádio da USP com outros, como Parque São Jorge, Canindé e Rua Javari. Comparava também o acesso à Cidade Universitária com o do Morumbi.
Em 1989, a Copa Pelé, torneio organizado pelo jornalista Luciano do Valle que reunia seleções de jogadores veteranos, levou Paolo Rossi, carrasco do Brasil na Copa de 1982, ao local.
– Tivemos duas edições da Copa Pelé. Sensacional, todos aqueles craques da época treinando e jogando. Tivemos uma coisa muito interessante também que foi a réplica do jogo entre Uruguai e Itália, que teve nomes como o Paolo Rossi (morto em 2020).
– Tivemos também jogos da Copa Paulistana de Futebol Feminino. Tivemos a Seleção Paulista contra a de Goiás, na época do Brasileiro de Seleções. O Rubens Minelli foi treinador, tivemos grandes nomes de São Paulo participando – relembrou o professor Emílio.
Eduardo José Farah, presidente da Federação Paulista de Futebol no final dos anos 80, chegou a falar que pretendia usar o estádio em jogos de porte médio do Campeonato Paulista.
No ano seguinte, porém, o estádio já era tratado como "esquecido". A mesma Revista Placar falou com Emílio, também diretor na época, sobre a falta de interesse efetivo. Agora, 34 anos depois, segue igual.
Presente
A expectativa em cima do que poderia ter se tornado o Estádio da USP não se cumpriu. Giram em torno disso as prioridades da Universidade diante de seu orçamento, a falta de interesse efetivo e externo no local e o pouco incentivo ao esporte no país.
– Em uma cidade como essa, é um negócio que você tinha que ter o máximo apoio. Eu moro no Tatuapé, estavam comentando que tem 4,5 milhões de pessoas na Zona Leste. Rapaz, é mais que a população do Uruguai. Aí você vai ver, o que a população tem? Pouquíssimo. E não têm recursos – disse Emílio.
Ainda com a sua imponente arquibancada, o local já não se encaixa nos padrões exigidos por entidades esportivas e tudo que envolve os grandes eventos. O campo que viu Paolo Rossi atuar, vive outra realidade:
– A tristeza é inevitável, ainda mais sabendo que o estádio seria autossustentável pelos diversos eventos que tinha potencial de abrigar, ainda trazendo recursos para a própria Universidade – relatou o arquiteto Eduardo.
Futuro
Segundo Emílio, o Cepeusp tem um custo anual de cerca de R$ 4 a 6 milhões. No Plano de Obras 2022/25 da USP, o Centro Esportivo fez uma solicitação para “avaliação e recuperação estrutural do estádio', estimando R$ 300 mil como recursos necessários.
– Foi feito um plano de revitalização da Universidade, em muitos prédios que precisam ser atualizados. Nós também fizemos um plano e mandamos para a reitoria, agora tem todo um processo, que é até 2025. Vamos aguardar – contou o diretor.
As reformas para tornar as arquibancadas superiores utilizáveis, porém, não estão entre as prioridades do Cepeusp, que foca em outras instalações de maiores demandas. A USP tem autonomia administrativa em relação ao estado. O principal empecilho nessa questão do estádio é a demanda para ele.
– Para nós, da Universidade, é um recurso que não temos interesse em investir, temos outras demandas para cuidar. Às vezes vemos especulações (de parcerias e projetos para reformar o estádio), mas concretamente ninguém nunca nos procurou – acrescentou.
Diante disso, na opinião de Emílio, a carcaça do Estádio da USP cai em desuso em um país que vive um problema crônico de incentivo ao esporte.
– Na Olimpíada nós fomos muitos procurados por diversos países. Tivemos China, Itália, França e Rússia treinando aqui, em diversas modalidades. Acharam isso aqui demais. O pessoal da França treinou, o Lavillenie, do Salto com Vara, inclusive. Ficaram apaixonados. Mas foi um momento. Todo mundo apareceu, vieram com isso de que podia ser um centro de treinamento... Mas, efetivamente, ninguém quer investir – relatou Emílio.
Tombado como patrimônio da Cidade de São Paulo pelo CONPRESP, em 2019, pode ser submetido a reformas, modernização de suas instalações e adequações de acessibilidade, desde que realizadas dentro das regras estabelecidas pela resolução de tombamento.
– A reforma de uma obra dessa é perfeitamente possível e viável tecnicamente, desde que seja elaborada por uma equipe de arquitetos e engenheiros especializados e familiarizados com os requisitos necessários para dotar a edificação de ajustes tecnológicos que, tanto a FIFA quanto a Wolrd Athletics, impõem para sua certificação – explicou o arquiteto.
E de fato a estrutura do estádio não corresponde com os padrões atuais. Por exemplo, não há um espaço destinado para a imprensa, seja para reportagens ou transmissões de possíveis eventos.
– Eu sempre enfatizo que um bem "tombado" não está "engessado" e, portanto, pode ser modernizado mantendo-se suas características arquitetônicas originais – completou Eduardo.
Um possível projeto de reforma do estádio teria que passar pela aprovação do Departamento do Patrimônio Histórico, como explicou a Secretaria Municipal de Cultura em contato com a reportagem.
Para 2023, foi aprovado um orçamento de R$ 8,4 bilhões para a USP (sendo R$ 7,5 bilhões de repasses do governo estadual, e R$ 925,2 milhões de receitas próprias). Deste orçamento, R$ 6,1 bilhões estão previstos como despesas com folha de pagamento.
Do montante, R$ 1,3 bilhão é previsto para “outros custeios e investimentos', englobando ampliação e modernização da infraestrutura de ensino e pesquisa da Universidade.
No Cepeusp, órgão de serviço da Universidade, a dotação orçamentária será de quase R$ 6 milhões para “outros custeios e investimentos'.
– Tudo aqui é recurso da Universidade, não vem nada de fora. Independentemente disso, é um Centro bem cuidado. A gente usa, e a Universidade valoriza – finalizou Emílio.