UEMS é a IES com maior percentual de alunos indígenas do Centro-Oeste

| UEMS


A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) é a Instituição de Ensino Superior (IES) com maior percentual de estudantes indígenas da região Centro-Oeste, segundo levantamento da Revista Quero Bolsa, parceira do Guia da Faculdade do Estadão.  Sendo a 6ª com maior presença indígena no Brasil e a 14ª IES com mais acadêmicos indígenas – com o percentual de 4,76% de estudantes indígenas, em relação ao número de matriculados na Universidade.

O Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2018 (versão mais recente do levantamento), destaca que a presença indígena no Ensino Superior brasileiro segue crescendo. Se em 2010 eram 7.256 matriculados, em 2018 foram 57.706.  E a UEMS é destaque neste número, pois é a Universidade brasileira pioneira ao reservar 10% de vagas em todos os seus cursos de graduação para alunos indígenas.

 

A Revista Quero Bolsa, parceira do Guia da Faculdade do Estadão, fez o ranking das 50 universidades com maior presença de indígenas entre seus alunos em cursos presenciais, segundo os dados do Censo da Educação Superior - 2018, do Inep. (Entraram na lista, faculdades com pelo menos 1.000 alunos e 100 estudantes indígenas.) Confira a lista https://querobolsa.com.br/revista/50-universidades-brasileiras-com-maior-presenca-indigena

De acordo com a coordenadora do Centro de Estudo, Pesquisa e Extensão em Educação, Gênero, Raça e Etnia (Cepegre) da UEMS, Beatriz Landa, atualmente a Universidade tem 409 alunos cotistas indígenas matriculados. Com a primeira turma de ingresso de alunos cotistas em 2004, a Universidade formou cerca de 250 alunos até este ano.

“A grande maioria já está atuando na sua área de formação e especialmente aqueles das licenciaturas – atuando na educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio). Aqueles que se formam nos bacharelados cerca de 70% já estão atuando nas suas áreas de formação”, disse Beatriz Landa.

Na UEMS, o programa “Rede de Saberes”, coordenado pelo professor Rogério Ferreira da Silva, tem como objetivo apoiar em especial a permanência na educação superior de estudantes indígenas. O Programa é financiado pela Fundação Ford e ocorre em quatro universidades de Mato Grosso do Sul (UCDB, UEMS, UFMS e UFGD).

A qualidade do ensino oferecido pela UEMS aos Indígenas transforma a Universidade em uma segunda casa. É o caso da indígena Fabriciane Malheiro, da etnia Terena, de Campo Grande, que elogia a qualidade dos professores. Ela cursou Letras Português/Inglês, com especialização em Língua e Cultura Terena e agora está cursando uma segunda graduação, em Pedagogia. Fabriciane conta que sua vida mudou depois da Universidade - “demorou para cair a ficha”, enfatizou.

“Depois da Universidade, eu tive um estranhamento quando as pessoas me chamavam de professora Fabriciane. Não estava acostumada e tive muita dificuldade em aceitar que eu havia passado a pertencer a uma nova classe”, conta a indígena que hoje é contratada pela prefeitura de Campo Grande para lecionar em duas escolas do município.

Fabriciane no Canadá, participando de uma Congresso Internacional Línguas Indígenas, em 2019

Lugar de fala

Um aspecto relevante de mudança de vida ressaltado por Fabriciane é o lugar de fala. Segundo ela, depois da Universidade, percebeu que pertencente a uma etnia, falante de sua língua, com seus usos e costumes. “Antes eu não era defensora das causas indígenas porque eu achava que não tinha a obrigação e porque acreditava que outro poderia defender as minhas causas. Isso mudou na Universidade. Entendi que sou indígena e que sou eu que conheço as minhas necessidades, as minhas dificuldades. Se eu não falar o que eu preciso, o outro, que não é indígena vai determinar”, conta Fabriciane.

O posicionamento como indígena e a formulação de políticas voltadas para essa população também é determinante para Otamir Souza da Silva, conhecido como Altamir Terena. Ele cursou o Mestrado Profissional em Educação na UEMS de Campo Grande e conta que teve uma grande mudança em sua vida profissional desde então. “O curso contribuiu e está contribuindo muito na minha carreira profissional. Quando eu iniciei o Mestrado, em 2016 eu estava Coordenador Pedagógico da Escola Estadual Indígena Angelina Vicente e hoje eu estou diretor dessa escola. O curso me deu uma nova visão sobre a Educação como um todo”, conta Otamir.

Hoje, Otamir Terena está participando das discussões sobre Educação que envolvem a Escola Indígena, assim como Fabriciane. “Depois que eu sair da Universidade, comecei a participar dos movimentos indígenas seja na educação, na saúde, na habitação, na segurança. Percebi que preciso ser ouvida para que soluções cheguem a minha comunidade. Depois da Universidade, eu tenho essa visão que cada pessoa, cada indígena tem sua especificidade, tem sua diferença e tem as suas necessidades, seja na educação ou em outras áreas”, concluiu Fabriciane.

 

Egressos Indígenas da UEMS

Lidimara Francisco Valério, 37 anos

Da etnia Terena, Lidimara entrou na primeira turma das cotas indígenas no curso de Pedagogia da UEMS de Dourados. Por problemas de saúde, ela não conseguiu concluir o curso, mas retornou em 2016 e se formou em 2017. Atualmente, ela é professora concursada da educação infantil, na escola municipal indígena Tengatui Marangatu, uma escola da aldeia Jaguapiru, em Dourados.

“Escolhi o curso de Pedagogia, porque precisava de emprego rápido e na época tinham poucos indígenas professores. E o nosso pensamento sempre é: Eu tenho que voltar e dar o retorno para a minha comunidade. E quero entrar num mestrado, trabalhar com a área de infância indígena. Eu não tenho nada contra uma dissertação de um não indígena, mas o olhar de um indígena para um indígena é diferente, assim como o olhar de um não indío para um índio é diferente, cada um tem sua essência”, ressaltou.

Ela enfatiza a importância das cotas: “Para o indígena sair da aldeia e lidar com o mundo da Universidade é diferente. É um impacto muito grande para nós, ainda mais nós que fomos da primeira turma das cotas indígenas. O Brasil é um país muito desumano e as cotas vieram só assegurar aquilo que é só direito nosso, de nós indígenas de estar dentro da universidade e tentar permanecer”, disse Lidimara.

Lindimara com seus alunos na aldeia Jaguapiru, em Dourados

Elizeo Alexandre Júnior, 29 anos

O enfermeiro, da etnia Guarani Ñandeva, se formou em 2012, no curso de Enfermagem, oferecido pela UEMS de Dourados. Atualmente, ele atua como plantonista na Casa de Assistência da Saúde Indígena (CASAI) do município de Amambai, na região sul do Estado. Já foi da Coordenação Técnica do Polo Base de Amambai da Secretaria Especial de Saúde Indígena e também faz parte do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) de Mato Grosso do Sul.

Elizeo saiu da Aldeia Porto Lindo, do município de Japorã, um dos menores do Estado, para fazer faculdade na cidade de Dourados. “Minha mãe sempre foi bem dedicada, recentemente concluiu o Ensino Médio dela. Ela não teve muitas oportunidades de estudo e o sonho dela era formar os filhos dela, na faculdade. Eu sempre tive muita admiração pelos profissionais da área da saúde e esse foi um dos motivos que me fez escolher o curso e tive muito incentivo por parte da minha mãe”, conta.

O egresso lembra que, na época da faculdade, a questão financeira foi bastante difícil. Ele contava com a bolsa do Programa Vale Universidade Indígena (PVUI), que era de R$ 346 na época e a mãe ajudava com mais R$ 300. “Foi com esses R$ 646 por mês que eu me mantive durante os quatro anos de faculdade. Hoje eu olho para trás e não acredito. Eu conseguia fazer milagre com esse dinheiro. Não foi fácil”, recordou.

Sobre alcançar seus objetivos, o enfermeiro afirma que se sente privilegiado. “Os meus sonhos aconteceram muito rápido, eu me sinto privilegiado pelo que hoje sou e por onde estou. Eu queria me formar e retornar à minha comunidade para atuar na Saúde Indígena”.

Elizeo falou sobre o apoio da Rede de Saberes em sua formação. “Não só para mim, mas para todos os indígenas que passaram na UEMS, a Rede de Saberes foi muito importante”.

Indianara Ramires Machado, 29 anos

Da etnia Guarani Kaiowá, residente na aldeia Jaguapirú, ela também se formou no curso de Enfermagem, na UEMS  de Dourados, em 2011. “Sempre gostei de cursos que são da área da saúde. Minha formação sempre foi uma construção coletiva, para mim, minha família e principalmente para comunidade indígena”, contou.

Atualmente, Indianara trabalha na Coordenação Técnica do Polo Base de Dourados da Secretaria Especial de Saúde Indígena e relembra a época de faculdade. “Em 2008, todos os anos foram difíceis e complexos, todavia com grande aprendizado e amadurecimento. Todos os professores foram marcantes na minha formação. Eu morava na aldeia Bororó, não tínhamos transporte para a universidade, me deslocava até o ponto de ônibus mais próximo que ficava há 2,5 quilômetros de casa na aldeia Jaguapirú, para assim se deslocar até terminal e então pegar o ônibus para faculdade. Recebia o vale universidade indígena, que ajudava nas despesas. O Rede de Saberes foi como um família para nós”, destacou.



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