Artigo
Nefelibata da esperança -João Linhares*
Não voo alto como os poderosos jatos dos abastados.
Tenho medo de altura,
exceto quando subo num carvalho para espiar o horizonte;
tampouco corro como os portentosos veículos dos milionários.
Receio velocidade.
Quanto mais célere,
mais depressa a vida passa...
Perde-se algo extraordinário:
a sesta do almoço,
o espreguiçar do cachorro
que te lambe e abraça.
Perde-se o espanto
com as coisas (quase) imperceptíveis,
mas que trazem escólios,
alguns dos quais indefectíveis.
Perde-se o encanto,
pululam imbróglios...
E, nessa toada, de quando em vez,
exsurge o pranto,
cora-se a tez…
E se deixa de lobrigar as inquietudes
das preciosas filigranas,
enormes pórticos,
de raras pulcritudes
que nos burilam.
Mentes insanas?
Talvez sejam apenas pensamentos módicos...
Só sou veloz quando aposto corrida com os jabutis
ou quando apanho, no pé, as jabuticabas.
Brindo aos céus e celebro como os guris!
Corro pelas bordas,
pelas beiradas...
A cesta de jabuticabas de fartura transborda,
num negrume sem fim.
Prefiro ir devagarzinho,
sem ser manietado,
mirando as formigas,
seguindo o caminho
por mim traçado,
construindo com meus amigos,
sem intrigas,
sempre em frente,
rumo ao nada e ao tudo,
perseguindo o ânimo do vento
e a fé da esperança,
esta fecunda semente
que dá à luz o rebento.
E quando alcanço,
grito:
heureca!
Todavia, persiste o arcano.
Ele insiste, subsiste
e minha curiosidade jamais desiste.
Procuro a mim mesmo…
Amiúde, encontro-me,
entretanto, brevemente,
já me perco
novamente.
Minha gênese
e a minha gente são estas!
Coisa alguma interessa se não são chiques,
se não usam roupas caras,
se não são imponentes.
Importa é a alegria no sorriso,
o pão conquistado com labor decente
e que a única máscara
que se usa é contra a doença.
Agir com siso,
sem rancor,
sem trapaça!
Princípios de berço,
de nascença.
São caridosos,
independentes de crença.
A generosidade é uma nuvem que traz água ao deserto
e faz nascer aquela flor do poeta que rompe o asfalto.
Sente-se a fragrância da esperança!
Na isagoge deste ano,
prometo não seguir a bíblia do esperto,
muito menos a do pateta e incauto...
Serei acólito da gratidão!!!
Quero ovacionar a vitória da vida sobre a morte;
rogarei paz e tolerância
- uma dupla consorte -
estas desconhecidas destes tempos...
Festejarei a derrota do negacionismo para a ciência,
a pujança da democracia sobre a perversão,
a busca de um seguro norte
e de maior amor, empatia e decência.
Há quem também se importe?
No epílogo do ano, esses augúrios
deixarão de ser meros prenúncios.
Esta é a minha prece.
Celebraremos juntos!!!
Sim, por ora, apenas agradeço
ao rezar o terço,
embalado por uma contínua e contagiante dança,
com o viço da minha irmã:
esperança!
E ela está batendo à nossa porta:
toc toc toc!
Me ajuda a recebê-la?
João Linhares* - Integrante da Academia Maçônica de Letras de MS. Promotor de Justiça desde 2000. Mestre em Garantismo e Processo Penal pela Universidade de Girona, Espanha. Especialista em Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais pela PUC – RJ.