Artigo
Quais são os impactos do homeschooling no desenvolvimento socioemocional e na formação de uma geração? -Thiago Zola *
| ASSESSORIA
O fechamento das escolas devido à pandemia acabou por obrigar a educação a se reinventar. A interrupção abrupta das rotinas escolares presenciais trouxe à tona a discussão sobre a aprovação do homeschooling, ou educação domiciliar, amplamente adotada em cerca de 60 países - como Estados Unidos, França e Portugal - e proibida no Brasil. O tema da regulamentação faz parte das propostas urgentes em tramitação na Câmara dos Deputados e sua aprovação será um marco para a educação nacional.
Em abril desse ano, o Conselho Estadual da Educação do Estado de S. Paulo aprovou a ideia e, se passar, crianças em homeschooling deverão ter aulas com profissionais, estar matriculadas nas redes municipal ou estadual e passar por avaliações periódicas na escola. No cenário nacional, o projeto de lei traz a necessidade da formalização da escolha do método pelos pais em uma plataforma virtual do Ministério da Educação (MEC). Os pais também ficariam obrigados a uma avaliação anual dos estudantes, em que seriam cobrados o ensino dos conteúdos disponíveis na Base Nacional Comum Curricular- BNCC, que dispõe não só sobre os conteúdos pedagógicos, mas também define as dez competências gerais da educação básica.
O desenvolvimento de competências socioemocionais está implícito em várias partes da BNCC e é colocado como essencial na medida em que incentiva e proporciona que crianças, jovens e adultos coloquem em prática melhores atitudes e habilidades. Mas até que ponto estas características serão desenvolvidas em casa, sem o convívio democrático e sem desafios que desenvolvam habilidades necessárias? Qual é a sociedade que queremos formar?
Seria possível trabalhar a capacidade de lidar com o outro, a resolução de conflitos, a cooperação, o respeito às diferenças, a valorização da diversidade, entre tantas competências dispostas na BNCC, em casa, sem o convívio na escola?
Já existem materiais pedagógicos preparados para desenvolver o socioemocional e que auxiliam no desenvolvimento dos alunos, mas até eles necessitam da mediação dos professores e dos pais. Em algum momento, a interação será necessária, seja por meio de jogos de raciocínio, seja pela troca com os colegas. Ao se comprometer com o homeschooling, a sociedade precisa entender que sua escolha vai além do material didático e deve se pensar em como garantir que o amplo desenvolvimento de competências essenciais para a vida em sociedade seja levado em conta.
Os pais e entidades que defendem a educação em casa a colocam como uma forma de controle das influências externas, que também transitam no ambiente escolar - como a educação social, moral e política, por exemplo-, que, segundo eles, estariam sob controle com os jovens em educação domiciliar. Mas, mesmo nos Estados Unidos, onde a prática é largamente praticada e controlada pelos governos em cada estado, educadores e estudiosos têm ressalvas, justamente porque as crianças deixam de ser expostas a valores sociais e democráticos, ideais de tolerância e não discriminação.
Embora críticos da educação defendam que os pais estão tendo a chance de experimentar o homeschooling nestes tempos de pandemia, pedagogos fazem uma distinção importante e que vale ser colocada aqui: o que as famílias estão vivendo hoje não é a educação domiciliar como ela será. Na prática, os pais e os professores estão atuando como mediadores do conhecimento, prestando um suporte para que seus filhos possam estudar, com materiais prontos, destinados pelas escolas, que são a base do ensino. No homeschooling é preciso estar preparado para atuar escolhendo o material didático, o conteúdo que será ensinado e como colocar as competências essenciais para a vida neste ritmo de ensino.
Para além de todos esses aspectos, um ponto que aparentemente vem sendo ignorado é a questão relacionada a desigualdade. Utilizar como base as experiências de países como França, Estados Unidos e Portugal (país que mandou fechar as escolas privadas durante a pandemia enquanto as públicas não estivessem prontas para funcionar) é ignorar o fato de que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e, embora com a homologação da BNCC em 2017 tenha sinalizado uma maior preocupação com desenvolvimento integral dos estudantes, ainda engatinha como um bebê quando o assunto é a aplicação prática desses conceitos. Toda a matriz de concursos que levam às universidades preserva uma base conteudista, o que faz com que, de certa forma, toda a lógica da formação integral do indivíduo fique em segundo plano, o que reforça o argumento de quem defende o homeschooling.
Além disso, em todo o País, durante a pandemia, boa parte da rede pública de educação básica - que atende mais de 80% dos estudantes brasileiros - vem sofrendo com a falta de estrutura e dificuldades de acesso à internet e recursos digitais, deixando milhões de estudantes sem atividades. Especialistas consideram que serão necessários de 2 a 3 anos para resgatar o tempo e conteúdo perdidos, mas sem um diagnóstico profundo, é difícil saber. O que já sabemos, com certeza, é que se o homeschooling fosse uma opção para todos, não teríamos tantos problemas, visto que aqui, falamos apenas da aprendizagem de conteúdos. Quem tem condições de contratar professores para atender os filhos em casa e organizar uma grade com profissionais que o viabilizem?
É possível argumentar que o fato de alguns não terem condições de fazer algo não deveria impedir outros - com condições - de fazer. Talvez, mas aqui estamos falando de uma esmagadora maioria de pessoas. Tampouco a discussão é sobre se deslocar nos grandes centros com helicópteros ou não, estamos falando de educação, acesso a oportunidades, o tipo de país que pretendemos (re)construir. Questiono também: o que pessoas com condições para o homeschooling estão realmente perdendo indo para a escola?
Num país desigual como o Brasil, regulamentar um modelo pouco democrático a luz da nossa realidade aumentará exponencialmente o abismo da desigualdade e criará bolhas cada vez mais impenetráveis. Caso nosso objetivo seja o da igualdade e a educação seja de fato uma prioridade, esse não deverá ser o caminho escolhido.
*Thiago Zola é professor, mestre em educação, especialista em psicologia da educação e palestrante com experiência no desenvolvimento de metodologias e soluções educacionais voltadas para Educação Básica na Mind Lab.
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