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Cineasta é condenado por divulgação de filme com discurso de ódio contra índios em MS
Advogado do cineasta Reynaldo Paes de Barros, alega que filme "Matem... Os Outros" foi alvo de "censura rasteira". "Apenas foi retratado um índio bêbado e os comentários dos personagens, fictícios, a respeito disso", afirma.
| G1 / JOãO PEDRO GODOY, G1MS
O cineasta Reynaldo Paes de Barros foi condenado pelo Tribunal Regional Federal (TRF3) , no dia 12 de maio, a pagar R$ 100 mil reais por danos morais coletivos após a Justiça entender que o filme "Matem... Os Outros", produzido por ele em 2014, contém discurso de ódio contra a comunidade indígena Guarani-Kaiowá.
Conforme o Ministério Público Federal (MPF), que realizou o pedido de recurso ao TRF3, o filme de 27 minutos retrata um diálogo entre quatro personagens, dois fazendeiros que pegam carona com um casal rumo a Sidrolândia (MS). Durante o trajeto, de acordo com o documento, são veiculados ideais preconceituosos, repletos de ódio étnico contra os índios.
Na obra, um dos personagens afirma que o quadro dos conflitos relacionados às terras indígenas – chamado pelo personagem de "invasão dos índios" – vai durar até ser mudado por um “banho de sangue' . Confira outros trechos do filme extraídos da decisão do TRF 3:
"E depois vem a FUNAI lotada de parasitas e ladrões falar em preservar a cultura indígena. Que cultura? De piolho e beiços de pau? Essa gente vive fazendo fogo e riscando pedras, limpam o rabo com folhas. Eles vivem na idade da pedra lascada" - personagem Chico, do filme "Matem... Os Outros"
"O quê é que o índio tem para ser intocável? Qual a contribuição dele para o Estado brasileiro? É um troglodita sem passado. E eu, nós, somos europeus com séculos de história e civilização. Produz colares e cocares. Eu planto toneladas de sojas de milho, porque eu tenho que paparicar e sustentar essa escória pelo resto da minha vida?" - personagem Valdir, do filme "Matem... Os Outros"
Inicialmente, a Justiça Federal de Mato Grosso do Sul julgou improcedente a ação do MPF, dizendo que a obra produzida por Reynaldo não excedeu os limites do regular exercício do direito à liberdade de expressão. O MPF recorreu ao Tribunal, pedindo reforma da sentença.
Na nova decisão, o procurador regional da República Paulo Thadeu Gomes da Silva afirmou que, embora seja um direito fundamental, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e que o próprio ordenamento jurídico impõe alguns limites e restrições a ele. “Os diálogos e cenas construídas pelo diretor acionado violam garantias que vedam qualquer modalidade de preconceito e discriminação', aponta.
Ao G1, o advogado de Reynaldo, Nelson Araújo Filho, afirmou que a decisão do TRF 3 é uma "censura rasteira". "O filme retrata apenas um índio bêbado, o que, para o cineasta, é um lugar comum. Os personagens defendem o índio alcoolizado e que foi destratado por um dono de bar, primeiramente, e depois comentam sobre a situação, apenas", recorda.
De acordo com Araújo Filho, a obra é de ficção e um Tribunal não pode decidir os critérios para que uma obra como essa seja produzida. Por isso, ele afirmou que irá recorrer da decisão. "Um autor não deve escrever apenas o que eles concordam. A capacidade de se expressar não pode ser talhada por um juiz ou promotor, sendo impossível fixar critérios para um filme de ficção que, inclusive, tem o viés de retratar apenas uma conversa entre quatro pessoas sobre assuntos do cotidiano", alega.
O filme "Matem... Os Outros" obteve, em 2014, R$ 40 mil por meio da Fundação de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul. Procurada, a Fundação de Cultura do estado disse que está elaborando uma nota sobre o caso, mas não havia divulgado até a última atualização desta reportagem.