Quem é Nise Yamaguchi, a médica que aconselha Bolsonaro, defende a cloroquina e vai depor na CPI da Covid

Imunologista teria participado de reunião no Planalto para mudar bula da cloroquina por decreto, segundo o presidente da Anvisa; ex-ministro da Saúde afirmou que ela fazia parte de conselho informal do presidente sobre a pandemia.

| G1 / RAFAEL BARIFOUSE, BBC


A médica Nise Yamaguchi irá depor nesta terça-feira (1/6) na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, que investiga se o governo federal errou no combate à pandemia.

A médica foi convidada depois de seu nome ter sido citado pelo presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, em seu depoimento aos senadores.

Barra Torres confirmou que houve uma reunião no Planalto na qual foi discutido alterar por decreto a bula da cloroquina, para que o medicamento passasse a ser indicado contra a Covid-19.

A reunião já tinha sido mencionada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), que afirmou ter participado do encontro, no qual uma minuta do decreto foi apresentada.

O presidente da Anvisa declarou que Yamaguchi estava na reunião, acompanhada por outro médico. O general Walter Braga Neto, então ministro da Casa Civil e hoje na Defesa, também participou, de acordo com Barra Torres.

Ele disse que o documento "foi comentado pela doutora Nise Yamaguchi", embora não soubesse dizer quem havia sido seu autor.

Barra Torres afirmou ainda que rejeitou a proposta em uma reação que ele próprio disse ter sido "um pouco deselegante", porque "aquilo não poderia ser".

"Só quem pode modificar uma bula de medicamento registrado é a agencia reguladora do país, desde que solicitado pelo detentor do produto", explicou Barra Torres.

Yamaguchi disse em uma nota que a fala do presidente da Anvisa "não representa a realidade" e se colocou à disposição da CPI.

O presidente da comissão, o senador Omar Aziz (PSD-AM) já havia dito que a médica o tinha procurado e seu gabinete para prestar depoimento.

A participação da médica na CPI vinha sendo defendida por senadores governistas, que defendem o uso da cloroquina contra a Covid-19, contrariando as evidências científicas.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI), aliado do governo, pediu no entanto que a convocação da médica fosse transformada em convite.

Isso significa que ela não tem a obrigação de comparecer e nem incorrerá no crime de falso testemunho caso falte com a verdade , já que estará ali como convidada e não como testemunha.

'Guerra de narrativas'

Nise Yamaguchi, de 62 anos, é uma das principais defensoras da cloroquina e da sua derivada, a hidroxicloroquina, mesmo que pesquisas já tenham demonstrado que essas substâncias, usadas normalmente contra lúpus, malária e artrite reumatoide, não funcionam contra para a Covid-19. Em alguns casos, elas podem fazer mal à saúde.

A médica discorda disso. Afirma que já tratou muitos pacientes com esses remédios e diz que as pesquisas que apontam sua ineficácia estão erradas.

A médica diz haver estudos que apontam os benefícios da cloroquina, opinião cada vez mais minoritária no meio científico, e costuma dizer que há uma "guerra de narrativas" em torno da cloroquina.

Yamaguchi afirma ser muito próxima do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) – "A gente conversa direto", afirmou à revista Veja – com quem já teve reuniões para tratar da cloroquina. Os dois defendem seu uso em um suposto tratamento precoce da Covid-19.

Nesta mesma entrevista, ela diz que inclusive pediu ao presidente para começar a falar mal da cloroquina em vez de bem para que a oposição ao remédio arrefecesse.

A médica chegou a ser cogitada para assumir o Ministério da Saúde após a saída de Mandetta, em abril do ano passado.

Mas acabou preterida pelo oncologista Nelson Teich, que ficou apenas 45 dias no cargo, assumido em seguida pelo general Eduardo Pazuello.

Yamaguchi é formada pela Universidade de São Paulo (USP), onde se especializou em imunologia. Seu currículo também aponta que ela é doutora em pneumologia pela mesma universidade.

Especializou-se ainda em oncologia e foi presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia entre 1997 e 2000. Hoje é diretora-presidente do Instituto Avanços em Medicina, em São Paulo, que é especializado no tratamento de câncer.

Ela informa ainda em seu currículo que atua no Hospital Albert Einstein, "onde participa do desenvolvimento científico e reuniões clínicas".

Yamaguchi diz que é "muito preparada". "Fui convidada para trabalhar em diversos países...era para eu estar nos Estados Unidos", afirmou em entrevista ao UOL.

Em julho do ano passado, Yamaguchi foi afastada do Einstein depois de fazer declarações sobre o nazismo em uma entrevista à TV Brasil.

"O medo é prejudicial para tudo. Em primeiro lugar, te paralisa, te deixa massa de manobra. Qualquer pessoa, você pega... Você acha que alguns poucos militares nazistas conseguiriam controlar aquela massa de rebanho de judeus famintos se não submetessem diariamente a humilhações, humilhações e humilhações, tirando deles todas as iniciativas?", afirmou a médica.

Yamaguchi chegou a dizer que teria sido afastada pela direção do hospital por sua defesa da cloroquina.

Mas o Einstein divulgou uma nota para reafirmar que a causa tinha sido sua fala sobre o nazismo . Foi uma "analogia infeliz" e uma "manifestação insólita" por parte da médica , disse o hospital na época em nota.

Yamaguchi pediu desculpas "por expressões outras e interpretações errôneas sobre assuntos sensíveis ao grande sofrimento judaico" e disse ser "solidária à dor dessa ilustre comunidade como a maior das atrocidades de nossa história ocidental".

Procurado pela BBC News Brasil, o Einstein informou que a médica já foi reintegrada ao seu corpo clínico aberto, como são chamados os profissionais que usam as instalações do hospital, mas não têm um vínculo formal com a instituição.

'Meu objetivo é que médico e paciente tenham liberdade de usar cloroquina'

A médica fez parte de uma equipe paralela de conselheiros de Bolsonaro sobre assuntos da pandemia, de acordo com Mandetta.

Teria sido conferida a ela a missão de reunir a literatura científica sobre a cloroquina tendo em vista flexibilizar a legislação sobre esse medicamento para facilitar sua prescrição.

"Meu principal objetivo é que médico e paciente possam ter liberdade de prescrever e receber o medicamento", afirmou Yamaguchi à CNN.

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Ela defende que a cloroquina, aprovada pela Anvisa (para tratamento de outras doenças) fosse indicada pelo Ministério da Saude para o tratamento da Covid-19.

Diz, além disso, que um médico tem a liberdade de fazer o chamado uso fora da bula de um remédio, ou seja, recorrer a ele para tratar doenças para as quais não é formalmente indicado.

Yamaguchi também diz que o seu uso por um período limitado de alguns dias, em doses baixas, não seria capaz de fazer mal à saúde.

Pesquisas indicaram, entretanto, que o uso indiscriminado da cloroquina no tratamento precoce da Covid pode aumentar os riscos de problemas nos rins e no coração.

Por sua vez, o Ministério da Saúde passou a contraindicar o uso da cloroquina para pacientes internados com Covid-19, após reavaliar a indicação de cloroquina sob a gestão de Marcelo Queiroga, que reconheceu a ineficácia do medicamento contra o coronavírus em depoimento à CPI, assim como o próprio presidente da Anvisa.

Agora será a vez de Nise Yamaguchi dar aos senadores sua versão dos fatos e de falar sobre a cloroquina, que se tornou o principal assunto da investigação que está sendo conduzida pelo Congresso Nacional.

Veja VÍDEOS da CPI da Covid:



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