Safras são recordes, mas os consumidores terão renda?

| BRASILAGRO


Taxa de desemprego da OCDE e estimativas da economia do FMI indicam cenário difícil para o agronegócio mundial.
O agronegócio vai bem. Os principais produtores mundiais de alimentos continuam anunciando safras recordes, como fizeram nesta terça-feira (12) Brasil e Estados Unidos. O problema é quem vai comer esses alimentos.

O setor vai ser afetado pela crise atual, e a duração da pandemia será fundamental para produção, consumo e exportações do agronegócio.

A alimentação é essencial no dia a dia da população, mas os consumidores dependem também da renda. E o efeito da Covid-19 está sendo devastador sobre o ganho diário dos trabalhadores.

Os dados desta quarta-feira (13) da OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico), e referentes a março, já indicam um caminho desafiador.

Segundo a organização, a taxa de desemprego dos 37 países componentes do grupo subiu para 5,6% em março, um mês que ainda não indicava a real dimensão dos efeitos do coronavírus. Com isso, no final daquele mês eram 37 milhões de desempregados nesses países.

 

O que vem pela frente é ainda pior, e poderá afetar o consumo de maneira mais intensa. Os Estados Unidos, por exemplo, já registraram uma taxa de 14,7% de desemprego em abril, ou seja, mais de 20 milhões de pessoas estão desempregadas. Em março, a taxa era de 4,4%.

Nessa lista de aumento de desemprego e de perda da qualidade da renda estão grandes importadores de alimentos, como países europeus e asiáticos. Em geral, esses países são os que adquirem produtos com maior valor agregado.

Os dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), quando se referem à evolução da economia a curto prazo, também não são animadores.

Há uma forte desaceleração da economia mundial em relação ao que era projetado para 2020, e o cenário continuará desafiador em 2021.

Uma das exceções para o próximo ano será a China, que, se prevê, deverá crescer próximo de 9%. Grandes importadores de soja e de proteínas, os chineses deverão encontrar, contudo, vários setores do agronegócio em reconstrução no final desta pandemia.

O pior, por ora, é o que ocorre nos Estados Unidos. O governo americano anunciou nesta terça que produzirá 406 milhões de toneladas de milho, um volume jamais visto antes.

O destino de tanto cereal é incerto, uma vez que o país terá de reconstruir o setor de proteínas, grande usuário de grãos. A produção atual de carnes nos Estados Unidos está 35% inferior à de igual período do ano passado.

O quanto vai se estender essa pandemia é crucial para os produtores americanos. Quanto mais durar, mais os rebanhos serão dizimados, uma vez que três dezenas de grandes frigoríficos estão fechados ou reduziram os abates.

Outro agravante para os produtores americanos é a conjugação da pandemia com o isolamento social, com a redução dos transportes e com o recuo na utilização do milho na produção de etanol.

A previsão são de estoques de 84 milhões de toneladas de milho no final da safra 2020/21, em agosto do próximo ano. Esse volume é quase uma safra recorde brasileira do cereal, que deverá ficar nos 100 milhões de toneladas neste ano.

 

O mercado entende que esses números do governo americano estão exagerados e as previsões foram feitas antes da pandemia. O governo teria de reajustar a área que está sendo semeada e os estoques finais. Mesmo assim, a retração mundial e volumes tão elevados poderão mexer com os preços internacionais.

O Brasil, que tem uma produção recorde de grãos, não está imune a esse cenário incerto. A demanda por milho depende da produção de carnes. Desemprego acelerado e queda de renda podem limitar o consumo de proteínas.

Já o mercado externo de carnes, que consome 30% da produção brasileira, também não está favorável, principalmente nos países europeus. A China poderá ser exceção.

A produção de soja também deverá sentir os reflexos da crise. A China continua importando grandes quantidades do Brasil, mas o acordo de importação entre chineses e americanos, definido na chamada fase 1, poderá afetar os brasileiros a partir do segundo semestre, quando a soja da safra 2020/21 dos EUA chega ao mercado.

O consumo interno brasileiro de soja depende da produção de proteínas, da renda dos consumidores e até do desempenho do setor de transportes, devido à mistura de biodiesel ao diesel.

O desempenho de soja, milho e carnes é importante para a manutenção da renda dos produtores brasileiros. Os dois primeiros somam 90% da produção de grãos, segundo a Conab.

Já a produção de carnes depende muito da renda interna do consumidor, uma vez que 70% da produção de proteínas é comercializada no país.

Alguns produtos, como o café, são pouco afetados pela pandemia. Os preços internos estão em alta e, mesmo com os efeitos do coronavírus, o país eleva as exportações para Europa e Estados Unidos (Folha de S.Paulo, 14/5/20)



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