E lá se foi meu abissal revisor

Jornalista, escritor e poeta, Nicanor Coelho deixa uma lacuna no jornalismo do estado

| CONTRAPONTO MS


Nicanor Coelho deixa uma lacuna no jornalismo de MS. Foto: Arquivo

"Estou lendo-lho". Este foi o último retorno de Nicanor Coelho pra mim, via zap zap, um dia antes de sua partida. Como ele gostava de corrigir meus textos, mesmo depois de entrarem no ar, e como o novo jornalismo online permite uma tolerânciazinha no pós-postagem, era sempre uma mão na roda. O "lendo-lho" era um bordão que ele gostava para satirizar ninguém menos que Walter D’Ávila, o antológico humorista da Praça da Alegria, que costumava ler os livros mudando o som ou acentuação das palavras, dando-lhes outros significados geralmente completamente errados, como o tão batido "sabo-lho".

Por uma dessas coisas que só a espiritualidade pode explicar, no momento em que Nicanor estava infartando, na tarde de hoje, eu lhe enviava, pelo mesmo zap zap, um dos mais antigos esquetes de D´Ávila, contracenando com Manoel de Nóbrega, na antiga TV Record. O roteiro, escrevi pra ele, era impagável, aquele em que D’Ávila está lendo um livro de cabeça para baixo e quando Nóbrega chega e pergunta o nome do livro ele soletra, enfático: "O último matou Caixás", ao que Nóbrega, pegando livro, mostrando espanto, lê o título correto: "O ultimato de Caxias". Uma das maiores pérolas dos grandes humorísticos de outrora. Como não respondeu, fiquei intrigado, mas não deve ter sido esta a causa mortis, embora para um imortal, como ele, não seria de todo ruim partir depois de uma magistral aula de história como a de Nóbrega sobre a vida de Caxias.
Uma boa história para ele sempre virava livro".

Quando me refiro ao fundador da Academia Douradense de Letras, jornalista, escritor e poeta como meu abissal revisor, é porque esta era a resposta padrão que ele usava nas mídias sociais. Tudo para ele era abissal. Como abissal era o próprio Nicanor Coelho. Misterioso, enigmático. Melhor que fiquemos com apenas esta que é uma das mais brandas definições de mestre Aurélio para a palavra, e que, a partir de hoje Nicanor vá se somar a outros confrades no mundo espiritual, ao lado de Humberto de Campos e tantos outros colegas jornalistas que partiram e continuam, de lá, com seus escritos.

Sempre que me visitava, aliás, nossa conversa resvalava para o espiritismo e ele, como que prevendo a partida, parecendo cobiçar, de soslaio, no escaninho de minha modesta biblioteca, obras como a da codificação espírita de Alan Kardec, além de alguns exemplares da monumental escrita de Chico Xavier, por seu mentor André Luiz, os romances de Emmanuel e a filosofia espírita de León Denis, temas que ele abordava com muita propriedade, como admirador que era da Doutrina Espírita.

Nicanor Coelho era desses que não se apertavam, principalmente quando o assunto era literatura. Discutia e sabia de tudo, mas longe de ser arrogante, lançava mão, confessadamente, da maiêutica, o método filosófico criado por Sócrates, um jogo dialético que consiste de perguntas e respostas sucedidas de mais perguntas sobre determinado assunto, com o interlocutor sendo levado a descobrir a verdade sobre algo. E assim ia vendendo seu peixe, como editor de livros. E não precisava de grandes sagas. Frequentador assíduo de um café no centro da cidade com a velha guarda douradense, bastou ouvir as histórias do delegado aposentado Ezequias Freire, não demorando para fazer sua proposta de lançar um livro. Uma boa história para ele sempre virava livro.

Tanto assim que foi o mentor intelectual da brochura que Eleandro Passaia, o dedo duro da Uragano, resolveu lançar como Livro – a Máfia do Paletó. Era para ser um livro contado a história do período mais turbulento da política douradense, que culminou com a prisão, por denúncias de corrupção, do prefeito Ari Artuzi, de seu vice Carlinhos Cantor, de secretários municipais e da maioria dos vereadores da época. Mas, na condição de X-9, para não fazer companhia à quadrilha na cadeia, Passaia resolveu espinafrar quem verdadeiramente denunciou a lambança de Artuzi e seu time – um blogueiro, um tal Valfrido Silva. Nem por isso deixei de ser amigo de Nicanor Coelho. Até porque, quando cobrado, como escritor e poeta socrático ele se saiu muito bem, com surrado "só sei que nada sei", pelo que foi de pronto perdoado. Vá em paz amigo.

Ps. - Texto não revisado



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