Os possíveis impactos do imposto único sobre bens e serviços no varejo -*Altair Antonio Toledo e Adriano da Rosa Silva

| ASSESSORIA


A proposta do Governo Federal de unificar as contribuições do PIS/Pasep e da Cofins e convergi-las para um único tributo, intitulado como Contribuição social sobre operações com bens e Serviços (CBS), tem como fundamento o alinhamento da legislação brasileira ao padrão mundial de tributação sobre o consumo, cujo tema já vem sendo proposto pela OCDE sobre o Brasil, desde 2001.

Dentro desse cenário, propõem-se que a CBS tenha incidência sobre o valor adicionado, segundo o qual permite que o tributo incidente nas etapas anteriores de circulação de bens e serviços possa ser compensado com o devido nas etapas seguintes. A justificativa do projeto de lei 3887/20 traz o ensejo de que a CBS não gera aumento de arrecadação em relação aos níveis atuais. Não obstante, tamanha foi a complexidade e os desdobramentos do regime de apuração não cumulativa do PIS/Pasep e da Cofins, que emergi-las para uma única contribuição sem nenhum peso de aumento de tributação para algum ou outro setor da economia seria quase impossível.

Destacando especialmente o setor do varejo, se a CBS for aprovada considerando o texto originalmente proposto, é iminente o aumento da carga tributária e a consequente alta dos preços ao consumidor. Dessa forma, e apenas a título exemplificativo, se no regime atual da não cumulatividade um contribuinte adquirir mercadorias para revenda, o IPI incidente em tais aquisições, quando não recuperável, pode compor a base de créditos das referidas contribuições, já o projeto da CBS não faz nenhuma menção ao crédito sobre a parcela do IPI o que pode representar aumento de carga tributária para os contribuintes varejistas nessa situação.

Adicionalmente, muitos varejistas desenvolvem atividades em estabelecimentos alugados de terceiros, em que parcela significativa desses pagamentos ocorre para pessoas jurídicas por vezes enquadradas no regime cumulativo, por estarem no lucro presumido, cuja alíquota combinada é de 3,65% para os atuais PIS/Pasep e Cofins. Para o locatário varejista, enquadrado no regime não-cumulativo, existe a possibilidade de apropriar crédito de 9,25% sobre tais pagamentos. Com a CBS, propõem-se o fim de alguns regimes diferenciados de tributação, dentre eles o regime cumulativo, resultando assim em possível aumento de carga tributária tendo em vista que a CBS terá alíquota de 12%, com crédito também de 12%. Assim, tal condição pode pressionar o preço dos alugueis, sendo que o crédito não aumentará na mesma proporção, provocando o consequente aumento de custos ao setor.

O projeto estabelece também algumas regras de transição entre os atuais PIS/Pasep e Cofins e a CBS, porém o texto é silente no que diz respeito aos estoques de abertura. Nesse sentido, a atual regra de transição determina que quem está no atual regime não-cumulativo poderá apropriar créditos sobre a depreciação de ativos adquiridos antes da vigência da CBS, todavia com base na alíquota de 9,25%, por outro lado, sobre os estoques não há previsão de apropriação de qualquer crédito adicional. Com efeito, tendo em vista que a CBS terá alíquota de 12% nas saídas e, considerando que o preço de venda é formado também pelo custo de aquisição das mercadorias e pela depreciação dos ativos, haverá um incremento de custo tributário sobre a parcela dos estoques iniciais. Esse aumento também ocorrerá em relação à parcela de depreciação e amortização de ativos que compõe o preço final dos produtos vendidos, pois, tais custos (antes tributados a 9,25%) serão forçadamente tributados à alíquota de 12%.

Essa situação também é observada para os estoques de produtos com sujeição monofásica da tributação do PIS/Pasep e Cofins (ex.: autopeças, produtos de perfumaria, dentre outros), uma vez que, no regime atual, tais contribuições são concentradas nos fabricantes e importadores, e sujeitas à alíquota zero nos revendedores e nos varejistas. Nesse caso, a falta de regras de transição para os estoques desses produtos acarretará em dupla tributação: uma por conta da incidência monofásica na indústria e outra pelo pagamento da CBS no momento da comercialização de tais itens, prevista em 12% no projeto.

Adicionalmente, existem outros aspectos que devem ser observados pelos estabelecimentos varejistas, tal como o incremento de ICMS que por sua vez também incidirá sobre a CBS. Além disso, há que se mencionar o caso dos fertilizantes e demais insumos agropecuários, que atualmente são beneficiados com alíquota zero de PIS/Pasep e Cofins e passarão a serem tributados pela CBS. Ainda, ficarão mantidas a desoneração para os produtos da cesta básica, só que não será permitida a manutenção dos créditos vinculados a tais receitas, conquanto que no atual regime a cesta básica também é desonerada e com a manutenção dos créditos de PIS/Pasep e Cofins vinculados a tais produtos.

Em suma, as questões citadas são prejudiciais para os varejistas e há outros pontos que trazem incertezas com relação à aplicação da CBS. Se por um lado, a unificação facilitará na hora da tributação, por outro, o peso tributário pode ser maior afetando diretamente o comércio. Como toda mudança tributária, será ainda necessário realizar significativas adaptações para que, no futuro, o resultado seja positivo para governo, empresas e consumidores.

*Altair Antonio Toledo é sócio-líder da área de tributos dos escritórios da KPMG na Região Sul e Adriano da Rosa Silva é gerente sênior de tributos da KPMG.

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