Engajamento do setor privado no programa jurisdicional: um diálogo necessário, urgente e oportuno para todos -Fabíola Zerbini e Fernando Sampaio*

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Embora desde há muito tempo necessário, só mais recentemente o debate sobre o desmatamento nos biomas nacionais da Amazônia e do Cerrado ganhou inédita relevância local e internacional. A atual realidade demanda um esforço conjunto para que soluções efetivas surjam a partir da colaboração e do consenso entre todas as partes envolvidas na questão. Somente o diálogo aberto entre produtores, importadores, governos, ambientalistas e comunidades locais fará com que avancemos no sentido da implementação de políticas e de ações concretas que garantam a produção sustentável e segura de commodities como carne, soja e cacau, em um ambiente que nos leve a alcançar a meta de desvincular cadeias produtivas de desmatamento.

A boa notícia é que várias conversas entre todos estes atores tem acontecido com frequência, incentivadas e mediadas por plataformas neutras e inclusivas como a TFA (Tropical Forest Alliance, ligada ao World Economic Forum) e a PCI (Preservar, Conservar e Incluir, iniciativa conjunta do Governo do Mato Grosso e entidades de setores diversos). As perspectivas a partir desses diálogos são animadoras, dando conta de que há vários pontos em comum que podem ser destacados e trabalhados de forma a gerar soluções conjuntas que beneficiarão a todos, combinando a intensificação da produção com a conservação dos biomas.

No passado recente, essa combinação já se mostrou viável: em 2017, o desmatamento na Amazônia brasileira registrava uma queda de cerca de 65% em relação à média do período de 1996 a 2005; ao mesmo tempo, observava-se significativo aumento na produção de soja e gado na chamada Amazônia Legal. Mas o desmatamento tinha voltado a aumentar a partir de 2013, alcançando recordes históricos ano após ano desde então, mesmo com o estabelecimento de iniciativas federais como o Código Florestal; e setoriais, como a Moratória da Soja e os Termos de Ajustamento de Conduta da Pecuária. Hoje, vivemos um momento grave e a certeza de que problemas complexos exigem soluções complexas reafirma a importância de diálogos abertos e construtivos como estratégias essenciais à criação e implementação de iniciativas que respondam à crescente demanda dos compradores e investidores globais por mais transparência sobre a origem dos produtos, de forma a mitigar seu risco de associação com áreas desmatadas ilegalmente.

Já é consenso que tais soluções devem incluir, necessariamente, a abordagem jurisdicional, que reconhece as características ambientais e da produção agrícola em diferentes regiões dos biomas, aproveitando-se da colaboração dos governos subnacionais com atores do setor privado e sociedade civil, em compromissos e governanças público-privadas capazes de fortalecer as políticas públicas, as iniciativas privadas alinhadas com princípios de livre desmatamento, e, com isso, atrair investimentos sustentáveis e confiança dos atores globais em torno da agenda de uso sustentável da terra num determinado território.

No Mato Grosso, essa abordagem jurisdicional é referência mundial desde o anúncio do Programa PCI e das metas do Estado na COP 21 em Paris. Cinco anos passados e uma farta lista de resultados alcançados, hoje as prioridades que se colocam para o PCI são: apoio à efetiva Regularização Ambiental de toda a produção agrícola no estado, o engajamento do setor privado global na governança público-privada e no desenho e implementação de mecanismos públicos e privados.

No que toca à Regularização Ambiental, é certo que ela deve se dar, primeiramente, pela análise da aderência dos produtores ao Cadastro Ambiental Rural. "Em apenas um ano, já analisamos 32% dos produtores locais", afirma Mauren Lazzaretti, Secretária Estadual do Meio Ambiente. "Esses dados embasarão o licenciamento ambiental e irão favorecer a fiscalização e o monitoramento, além de criarem as condições para a implementação dos Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA)".

A análise do CAR no Mato Grosso já conta com o apoio do IDH, parceiro histórico do PCI que atua na agenda global de uso sustentável da terra. A parceria do IDH com a Secretaria do Meio Ambiente no MT é um exemplo prático da importância fundamental do engajamento de atores privados nas políticas públicas subnacionais para que as metas jurisdicionais relacionadas a desmatamento, pegada de carbono e inclusão sócio-produtiva possam ser alcançadas. Não existe um engajamento único: o processo e o resultado são, necessariamente, coletivos.

Muito se avançou no que se refere ao engajamento do setor privado, mas há ainda um longo caminho pela frente. Para além das iniciativas de produção livre de desmatamento que se multiplicaram no MT a partir de recursos e iniciativas lideradas por empresas compradoras globais como Carrefour, Marfrig, COFCO, McDonalds e Amaggi, entre outras - que podem ser conhecidos no Picthbook -, a participação desses atores na governança e na implementação das metas supra setoriais do PCI, é crucial. Ações que combinem cadeias produtivas numa perspectiva de uso sustentável do território pressupõem diálogo e negociações constantes. Modelagens mais complexas exigem coragem, disposição e lideranças visionárias.

O PCI, por meio de seus espaços de governança como o Comitê de Investimento e o Corporate Action Group, reúne todas a condições para que essa abordagem, público-privada, supra setorial, e pautada numa lógica de território, se realize. O convite está aberto às empresas aptas a liderar essa agenda de fronteira, a sentar e negociar. E fazer do discurso uma prática real, perene e antenada com o que há de mais moderno na lógica de gestão pública.

O diálogo público-privado é a base para o desenvolvimento de uma agenda positiva que inclua a preservação ambiental, novas oportunidades de negócios e intensa colaboração entre os atores envolvidos. A regularização ambiental e fundiária é fundamental para dar segurança jurídica, junto com políticas sanitárias e de uso da terra. De sua parte, o investidor enxerga uma oportunidade na modernização associada ao mercado de carbono neutro e ao pagamento por serviços ambientais. A necessidade de ampliação da produção de alimentos conjuga-se ao entendimento de que o desmatamento deve ser contido. Este é um caminho sem volta.

*Fabíola Zerbini, Diretora Regional da TFA para a América Latina; Fernando Sampaio, Diretor Executivo da PCI.



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